Cada medalha ou moeda tem duas faces, que
popularmente se designam por “caras ou coroas”, seja em brincadeiras de
crianças seja, por exemplo, nos estádios e campos desportivos para a escolha de
campo, sendo lançadas ao ar pelo árbitro.
Esta passagem. Efectuada pelo outro lado da
face, autoriza uma redefinição do pensamento, desde há muito tempo, nas
paragens “socialistas”, marxistas, cientistas e positivistas do século passado.
De Proudhom a Jean Grave, de Kroptkine a
Elisée Reclus, de Bakounine a Han Ryner, o poder foi apreendido por estes
grandes antigos como uma figura monoteísta encarnada do Estado.
Para mais, parece que o conjunto de
pensamentos formulados no século passado e no começo deste, antes da explosão
das máquinas infernais da propaganda pelos factos, se encontra pouco mais ou
menos reduzido a uma laicização do pensamento.
Nietzsche tinha razão ao dizer que o
socialismo era um platonismo para os pobres, essa antiga doutrina filosófica,
tendo sido, ela própria, a matriz do cristianismo sob o selo do Vaticano.
A maioria das vezes o humanismo dos antigos
libertários supõe o irianismo e o optimismo, o puritanismo e a moral, o
pacifismo e a educação, o anti-clericalismo e o evolucionismo, a sociologia e
uma multitude de outras tantas escolas, actuando como prisões tanto teóricas
como dialécticas.
As invocações a uma justiça generalizada, a
crença num teologia positiva, a
submissão aos dogmas doa amanhãs que cantam, a fé na bondade natural dos homens,
a celebração da escola e da cultura como únicos meios para combater o infame, a
revolução social como oportunidade única para realizar a humanidade acabada e
perfeita, eis o que constituía um credo poeirento, uma série de dogmas pulverizados
pelas lições da Primeira e, depois, da Segunda Guerra Mundial.
Nas trincheiras de Verdun e, depois, nas câmaras
de gás de Auschwitz, encontram-se os despojos de um pensamento tornado inutilizável.
Tanto quanto se sabe, depois desses dois
apocalipses que ensanguentaram o século, ninguém voltou a empunhar, nitidamente,
o archote.
E, contudo, uma outra descendência, menos
religiosa e mais artística, radicou em Félix Fénéon, fornecendo uma genealogia
desse novo pensamento anarquista que, pelos seus rizomas, permite uma gloriosa
constelação: Tristão Tzara e Marcel Duchamp, Jean Dubuffet e John Cage, Noam
Chomsky e Paul Fayerabende, Kate Millet e Merce Cunningham, Henri Laborit e
Frank Loyd Wright.
À sua maneira cada um formulou um vontade
própria em promover novas formas, livres e libertas, nos domínios respectivos.
A estética, a música, a linguística, epistemologia, o feminismo, dança, a ciência e a arquitectura encontraram-se,
deste modo, revigoradas.
Divergindo apenas quanto aos meios e não
quanto às finalidades, os anarquistas e os marxistas do século passado queriam
acabar com o Estado assimilado a um bode expiatório, única fonte de todos os
males.
Depois do pensamento de 68 já não se ignora
que o poder age noutro lado e de outro modo, do que, apenas, concentrado nessa
forma, dispondo, por si só, do monopólio da obrigatoriedade legal.
Entretanto, na Europa e mais especialmente em
Portugal, Grécia, Irlanda, Espanha e Itália, sobretudo em Portugal, assiste-se
a uma total distorção do que deve ser a democracia e o social, massacrando o
povo com impostos sempre novos e também novas formas de imposição de ideologias
que nada ficam a dever a um totalitarismo disfarçado.
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