Aquele que pertence organicamente a um povo,
ou civilização, não pode identificar a natureza do mal que o mina. O seu
diagnóstico pouco a pouco nada conta; o juízo que fizer sobre ela implicá-lo-á;
poupá-la-á por egoísmo.
Mais desprendido, mais livre, o recém
chegado examina sem cálculo e apreende melhor as falhas. Se o povo se perder,
ele aceitará, se necessário, perder-se também, atestar nele e em si próprio os
efeitos do fatum.
Remédios, não os possui nem os propõe, limitando-se
a uma vergonhosa austeridade, que impõe. Como sabe que não se cura o destino,
não se arvora em curandeiro junto de ninguém. A sua ambição: estar á altura do
Incurável…
Perante a acumulação dos seus (in)sucessos, os
países do Ocidente não tiveram dificuldade em exaltar a História, em
atribuir-lhe um significado e uma finalidade. Ela pertencia-lhes, eram eles os
seus agentes: a História devia, por isso, seguir uma vida racional…
Colocaram-na, assim, sob os auspícios da Providência,
da Razão e do Progresso. (?)
Faltava-lhes o sentido da fatalidade; começam
enfim a adquiri-lo, aterrados pela ausência que os espreita, pela perspectiva
do seu eclipse, passando de sujeitos a objectos, para sempre despojados dessa
irradiação, dessa admirável megalomania que até hoje os protegera contra o
irreparável.
Hoje estão tão conscientes disso que medem a
estupidez de um espírito pelo grau do seu apego aos acontecimentos.
Nada mais normal, uma vez que os
acontecimentos se passam “noutro lado”. Só se sacrifica aos acontecimentos a
população “reles”, quando deles se conserva a iniciativa.
Mas, por pouco que se guarde a lembrança de
uma antiga supremacia, continua a sonhar-se ser grande, que mais não seja na
desgraça.
Já não há cidadãos, mas sim indivíduos
pálidos e desenganados, prontos ainda
responder a uma utopia, porém sob a condição de esta chegar do exterior
e de não terem que proceder ao esforço de a conceber.
Se outrora morriam pelo sem-sentido da
glória, abandonaram-se agora a um frenesim reivindicativo.
A “felicidade” tenta-os; é o seu último
preconceito, a que esse pecado de optimismo vai buscar a sua energia.
Preferir não ver, servir, entregar-se ao
ridículo ou à estupidez de uma causa – extravagâncias que já não são capazes.
Apostar no desaparecimento dos apetites
guerreiros, acreditar na generalização da decrepitude ou do idílio, é ver muito
longe, demasiado longe: a utopia, vista cansada dos povos velhos!
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