À atenção de todos aqueles que se proclamam socialistas e
que na realidade não o são.
Antero de Quental, em 1871, definiu “socialismo” como “o
protesto dos que sofrem, contra a organização social que os faz sofrer. É a
reclamação da justiça e da igualdade nas relações dos homens; dos homens que a
natureza criou livres e iguais, e de que a organização social fez como que duas
raças inimigas, uma que manda, goza e oprime; outra que obedece, trabalha e
sofre: de um lado, senhores, aristocratas, capitalistas; do outro, escravos,
servos, proletários!”, dizendo ainda que o socialismo pretende “nivelar, não
todos os indivíduos, mas as condições de desenvolvimento de todos os indivíduos”.
O surto de ideais socialistas, nesta data, tem como principal fonte de influência os acontecimentos decorrentes da Comuna de Paris. Mas, antes, em 1833, jà Leroux a utilizara, em oposição a individualismo, e definindo “socialismo” como “a luta dos proletários contra a burguesia”; dos que não possuem instrumentos de trabalho contra os que os possuem”.
Com efeito, desde 1848, as delegações operárias exigem a
abolição da exploração do homem pelo homem, organizando-se, para tanto, em
associações do trabalho. A Revolução Francesa proclama, no século XVIII, os
Direitos do Homem e do Cidadão, e a partir de 1793 assistimos, em França, a
propostas socializantes, vindas mesmo dos tiranos políticos de então.
Robespierre propõe a limitação do direito de propriedade
pelos direitos dos outros; Billaud Varenue propõe regenerar o sistema social pelo direito ao trabalho. Em
Inglaterra, onde se assiste à primeira revolução industrial, Owen propõe a
comunidade da terra e os seus continuadores promovem o movimento cooperativo.
Nestes ideais distinguem-se Saint-Simon, Fourier, Proudhon, que pretendem a
transformação económico-social da sociedade, mas não se preocupam com a acção
política. A estes opõem-se Buchez, Pierre Leroux, Louis Blanc, Blanqui, que se
situam no ideário da Revolução Francesa e aqcham indispensável servir-se do
poder político para alcançar a modificação social. Estas duas concepções
originais permanecerão, até aos nossos dias, nas lutas de classes sociais e
serão sempre a origem das divisões verificadas na aplicação dos princípos que
sempre nortearam os trabalhadores ao reivindicar os seus direitos.
Com Karl Marx, que nasce em 1818, vamos ter o socialismo
derivado do capitalismo industrial apenas porque a revolução industrial se
estava a produzir, fazia parte d conjuntura política e social, era mesmo a
grande determinante da época, o qual se define principalmente pelas
consequênciasda industrialização: da livre concorrência nasce, não a harmonia,
mas a desigualdade e a concentração, dando origem às crises de superprodução e
agravando a condição dos operários pelo desenvolvimento do maquinismo.
Assim, os movimentos socialistas e operários, mesmo
diferindo entre si por concepções ou princípios, têm em comum a rejeição dos
sistemas capitalistas e das sociedades com classes profundamente diferenciadas,
tal como nos faz reparar Antero na sua definição.
As diversas propostas socializantes dos meios de produção
e de distribuição da rieuza variam: o cooperativismo pretende ir substituindo a
empresa capitalista por uma organização em que os trabalhadores sejam os
consumidores, confundindo, pois, o salárioe o lucro; o sindicalismo vela pela
garantia dos direitos dos trabalhadores na distribuição da riqueza que eles
próprios produzem; o municipalismo pretende reforçar a propriedade pública. E, em
todas estas (e outras) propostas, duas opções se desenham sempre no horizonte
da luta política: por um lado, os revolucionários, acreditandoque a acção
política é indispensável na conquista do poder pela força com vista á
reformulação da sociedade pel força do poder; por outro lado, os reformistas,
defendendo a legalidade democrática e o funcionamento regular das instituições,
as quais devem ir sendo modificadas no sentido de favorecerem cada vez mais o
bem-estar dos indivíduos.
O socialismo deve, tanto numa concepção como na outra,
contribuir para criar as condições económicas, sociais e culturais de igualdade
de oportunidades que garantam a cada homem a liberdade e a plena realização de
si próprio.
Em Portugal assistimos a uma primeira divulgação dos ideais
socialistas na sequência das revoluções de 1848 e distinguimos então nomes como
António Pedro Lopes de Mendonça, Sousa Brandão, José Félix Henriques Nogueira,
tratando-se mais de uma adesão de tipo intelectual, deixando marcas nas
manifestações culturais, mas claramente insuficiente no campo da acção
revolucionária. O mesmo não se pode dizer dos acontecimentos e suas
consequências, vividos após a Comuna de Paris e a Internacional Socialista,
isto é, depois de 1871. Aí, nomes de activistas podem ser citados, como José
Fontana, Azedo Gneco, Antero de Quental, Alexandre Vieira, César Nogueira,
Oliveira Martins, tendo sido a actividade deles e de muitos outros favorecida,
por um lado, por factores conjunturais, tais como a vinda de José Fontana para
Lisboa, depois de uma passagem e permanência em Paris.
Com efeito, José Fontana, embora de ascendência
portuguesa, era cidadão suiço, oriundo de um meio político agitado, nascido
numa época conturbada da história da Europa: as guerras da unificação italiana,
Garibaldi, a anexação da república de Ticino à Confederação Helvética. Por
outro lado, a revolução industrial, a génese do movimento operário em quase
toda a Europa e nos Estados Unidos da América, a tomada de consciênciade
classe, a luta dos trabalhadores proletários pela sua emancipação.
Uma história do socialismo em Portugal, que está ainda
por escrever, dir-nos-á que, sob a influência das doutrinas anticapitalistas
que começavam a espalhar-se nos países
mais industrializados da Europa, na segunda metade do século XIX (Alemanha,
Áustria, Holanda, Suiça, Bélgica, França, Itália, Inglaterra, Suécia,
Dinamarca) chegaram a Portugal alguns activistas espanhóis, portadores do pensamento
social novo, para aqui fazerem propaganda. Está ainda para esclarecer se os
contactos destes espanhóis com José Fiontana resultaram de um plano ou se foram
meramente casuais, decorrentes de diligências feitas por eles nas instituições,
cujas moradas conheciam, nomeadamente a do Centro Promotor dos Melhoramentos
das Classes Laboriosas e a da Fraternidade Operária. O certo é que esta
propaganda criou as suas raízes e deu os seus frutos.
Ela desenvolvia-se em dois caminhos paralelos,
correspondentes aos dois ideários acima mencionados: o dos revolucionários, que
não dispensavem a acção política; o dos reformistas, que pretendiam a
transformação gradual da sociedade. Deste modo, e com esta mesma luta,
aproveitando os mesmos esforços e até nascendo
tudo da acção do mesmo grupo de pessoas, nascem em Portugal quase
simultaneamente, o movimento sindical e o movimento socialista.
A história dos primeiros tempos do socialismo em
Portugal, que acaba por se concretizar com a criação do Partido Socialista, em
10 de Janeiro de 1875, foi construída, no terreno, por homens de ideais muito
definidos e conhecedores das diferenças ideológicas que se lhes deparavam. Por
outro lado, conhecemos o pensamento e a acção de um Sousa Brandão, adepto das
ideias de Charles Fourier, sociólogo que prevê a associação de indivíduos que,
numa composição harmoniosa, possam encontrar os requisitos necessários ao
bem-estar, pelo trabalho realizado nas melhores condições possíveis.
Sousa Brandão e os seus correligionários concentraram-se
no Centro Promotor dos Melhoramentos das Classes Laboriosas, que havia sido criado
em 1852, para concretizar ideias sociais muito mais amplas. Em 1871, José
Fontana, Batalha Reis,Antero de Quental, Azedo Gneco e outros dissidentes do
Centro Promotor criam a Associação Fraternidade Operária, a qual, em 1872, vai
estar representada no Congresso de Haia, por Paul Lafargue, genro de Karl Marx.
Neste congresso torna-se patente a oposição entre
marxistas e anarquistas, cisão que vem a ter consequências profundas a partir
da sua realização. Em Portugal, essa dissidência acentua-se na última década do
século XIX e culmina no Congresso de 1895, realizado em Tomar.
Daí em diante, essas dissid~encias não mostram tendência
para se atenuarem. De resto, vai ser assim, nos movimentos operários e
socialistas de todo o resto do mundo, sendo a sua expressão exterior traduzida
pela realização sucessiva das diversas Internacionais Socialistas que se foi
verificando.
Actualmente, a maioria dos Partidos Socialistas, isto é,
ditos socialistas, têm preferido aderir ao capitalismo, sob a designação de “Socialismo
Democrático”, que nem é carne nem peixe, mas que se sente feliz por manter
cheios os bolsos.
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