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quinta-feira, 14 de março de 2013

«O SOCIALISMO EM PORTUGAL»


À atenção de todos aqueles que se proclamam socialistas e que na realidade não o são.

Antero de Quental, em 1871, definiu “socialismo” como “o protesto dos que sofrem, contra a organização social que os faz sofrer. É a reclamação da justiça e da igualdade nas relações dos homens; dos homens que a natureza criou livres e iguais, e de que a organização social fez como que duas raças inimigas, uma que manda, goza e oprime; outra que obedece, trabalha e sofre: de um lado, senhores, aristocratas, capitalistas; do outro, escravos, servos, proletários!”, dizendo ainda que o socialismo pretende “nivelar, não todos os indivíduos, mas as condições de desenvolvimento de todos os indivíduos”.

O surto de ideais socialistas, nesta data, tem como principal fonte de influência os acontecimentos decorrentes da Comuna de Paris. Mas, antes, em 1833, jà Leroux a utilizara, em oposição a individualismo, e definindo “socialismo” como “a luta dos proletários contra a burguesia”; dos que não possuem instrumentos de trabalho contra os que os possuem”.

Com efeito, desde 1848, as delegações operárias exigem a abolição da exploração do homem pelo homem, organizando-se, para tanto, em associações do trabalho. A Revolução Francesa proclama, no século XVIII, os Direitos do Homem e do Cidadão, e a partir de 1793 assistimos, em França, a propostas socializantes, vindas mesmo dos tiranos políticos de então.

Robespierre propõe a limitação do direito de propriedade pelos direitos dos outros; Billaud Varenue propõe regenerar  o sistema social pelo direito ao trabalho. Em Inglaterra, onde se assiste à primeira revolução industrial, Owen propõe a comunidade da terra e os seus continuadores promovem o movimento cooperativo. Nestes ideais distinguem-se Saint-Simon, Fourier, Proudhon, que pretendem a transformação económico-social da sociedade, mas não se preocupam com a acção política. A estes opõem-se Buchez, Pierre Leroux, Louis Blanc, Blanqui, que se situam no ideário da Revolução Francesa e aqcham indispensável servir-se do poder político para alcançar a modificação social. Estas duas concepções originais permanecerão, até aos nossos dias, nas lutas de classes sociais e serão sempre a origem das divisões verificadas na aplicação dos princípos que sempre nortearam os trabalhadores ao reivindicar os seus direitos.

Com Karl Marx, que nasce em 1818, vamos ter o socialismo derivado do capitalismo industrial apenas porque a revolução industrial se estava a produzir, fazia parte d conjuntura política e social, era mesmo a grande determinante da época, o qual se define principalmente pelas consequênciasda industrialização: da livre concorrência nasce, não a harmonia, mas a desigualdade e a concentração, dando origem às crises de superprodução e agravando a condição dos operários pelo desenvolvimento do maquinismo.

Assim, os movimentos socialistas e operários, mesmo diferindo entre si por concepções ou princípios, têm em comum a rejeição dos sistemas capitalistas e das sociedades com classes profundamente diferenciadas, tal como nos faz reparar Antero na sua definição.

As diversas propostas socializantes dos meios de produção e de distribuição da rieuza variam: o cooperativismo pretende ir substituindo a empresa capitalista por uma organização em que os trabalhadores sejam os consumidores, confundindo, pois, o salárioe o lucro; o sindicalismo vela pela garantia dos direitos dos trabalhadores na distribuição da riqueza que eles próprios produzem; o municipalismo pretende reforçar a propriedade pública. E, em todas estas (e outras) propostas, duas opções se desenham sempre no horizonte da luta política: por um lado, os revolucionários, acreditandoque a acção política é indispensável na conquista do poder pela força com vista á reformulação da sociedade pel força do poder; por outro lado, os reformistas, defendendo a legalidade democrática e o funcionamento regular das instituições, as quais devem ir sendo modificadas no sentido de favorecerem cada vez mais o bem-estar dos indivíduos.

O socialismo deve, tanto numa concepção como na outra, contribuir para criar as condições económicas, sociais e culturais de igualdade de oportunidades que garantam a cada homem a liberdade e a plena realização de si próprio.

Em Portugal assistimos a uma primeira divulgação dos ideais socialistas na sequência das revoluções de 1848 e distinguimos então nomes como António Pedro Lopes de Mendonça, Sousa Brandão, José Félix Henriques Nogueira, tratando-se mais de uma adesão de tipo intelectual, deixando marcas nas manifestações culturais, mas claramente insuficiente no campo da acção revolucionária. O mesmo não se pode dizer dos acontecimentos e suas consequências, vividos após a Comuna de Paris e a Internacional Socialista, isto é, depois de 1871. Aí, nomes de activistas podem ser citados, como José Fontana, Azedo Gneco, Antero de Quental, Alexandre Vieira, César Nogueira, Oliveira Martins, tendo sido a actividade deles e de muitos outros favorecida, por um lado, por factores conjunturais, tais como a vinda de José Fontana para Lisboa, depois de uma passagem e permanência em Paris.

Com efeito, José Fontana, embora de ascendência portuguesa, era cidadão suiço, oriundo de um meio político agitado, nascido numa época conturbada da história da Europa: as guerras da unificação italiana, Garibaldi, a anexação da república de Ticino à Confederação Helvética. Por outro lado, a revolução industrial, a génese do movimento operário em quase toda a Europa e nos Estados Unidos da América, a tomada de consciênciade classe, a luta dos trabalhadores proletários pela sua emancipação.

Uma história do socialismo em Portugal, que está ainda por escrever, dir-nos-á que, sob a influência das doutrinas anticapitalistas que começavam a espalhar-se nos  países mais industrializados da Europa, na segunda metade do século XIX (Alemanha, Áustria, Holanda, Suiça, Bélgica, França, Itália, Inglaterra, Suécia, Dinamarca) chegaram a Portugal alguns activistas espanhóis, portadores do pensamento social novo, para aqui fazerem propaganda. Está ainda para esclarecer se os contactos destes espanhóis com José Fiontana resultaram de um plano ou se foram meramente casuais, decorrentes de diligências feitas por eles nas instituições, cujas moradas conheciam, nomeadamente a do Centro Promotor dos Melhoramentos das Classes Laboriosas e a da Fraternidade Operária. O certo é que esta propaganda criou as suas raízes e deu os seus frutos.

Ela desenvolvia-se em dois caminhos paralelos, correspondentes aos dois ideários acima mencionados: o dos revolucionários, que não dispensavem a acção política; o dos reformistas, que pretendiam a transformação gradual da sociedade. Deste modo, e com esta mesma luta, aproveitando os mesmos esforços e até nascendo  tudo da acção do mesmo grupo de pessoas, nascem em Portugal quase simultaneamente, o movimento sindical e o movimento socialista.

A história dos primeiros tempos do socialismo em Portugal, que acaba por se concretizar com a criação do Partido Socialista, em 10 de Janeiro de 1875, foi construída, no terreno, por homens de ideais muito definidos e conhecedores das diferenças ideológicas que se lhes deparavam. Por outro lado, conhecemos o pensamento e a acção de um Sousa Brandão, adepto das ideias de Charles Fourier, sociólogo que prevê a associação de indivíduos que, numa composição harmoniosa, possam encontrar os requisitos necessários ao bem-estar, pelo trabalho realizado nas melhores condições possíveis.

Sousa Brandão e os seus correligionários concentraram-se no Centro Promotor dos Melhoramentos das Classes Laboriosas, que havia sido criado em 1852, para concretizar ideias sociais muito mais amplas. Em 1871, José Fontana, Batalha Reis,Antero de Quental, Azedo Gneco e outros dissidentes do Centro Promotor criam a Associação Fraternidade Operária, a qual, em 1872, vai estar representada no Congresso de Haia, por Paul Lafargue, genro de Karl Marx.

Neste congresso torna-se patente a oposição entre marxistas e anarquistas, cisão que vem a ter consequências profundas a partir da sua realização. Em Portugal, essa dissidência acentua-se na última década do século XIX e culmina no Congresso de 1895, realizado em Tomar.

Daí em diante, essas dissid~encias não mostram tendência para se atenuarem. De resto, vai ser assim, nos movimentos operários e socialistas de todo o resto do mundo, sendo a sua expressão exterior traduzida pela realização sucessiva das diversas Internacionais Socialistas que se foi verificando.

Actualmente, a maioria dos Partidos Socialistas, isto é, ditos socialistas, têm preferido aderir ao capitalismo, sob a designação de “Socialismo Democrático”, que nem é carne nem peixe, mas que se sente feliz por manter cheios os bolsos.

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