Hesitei muito em
escrever este comentário, por duas razões essenciais. Por Daniel Oliveira ser
comentador do Expresso e poderem pensar que há
alguma cumplicidade especial entre os dois;
e por o Bloco de Esquerda não ser propriamente da minha especialidade, tendo-me já enganado algumas vezes a propósito das
suas capacidades de mobilização e sobrevivência, que no geral subestimei.
Mas
arrisco. Por um lado, nada me liga, salvo amizade e respeito, a Daniel
Oliveira, sentimentos, aliás, equivalentes aos que tenho por Louçã e outros
dirigentes do Bloco; naturalmente discordo
deles na substância de quase tudo. Por
outro lado, o Bloco, pretendendo ser diferente dos outros está cada vez mais
igual, pelo que a grelha de análise que se utiliza para qualquer partido pode
ser utilizada para o BE.
Deduzo,
aliás, da carta que Daniel enviou à direção do partido que esta parecença cada
vez maior entre o Bloco e outras estruturas o incomode e seja uma, senão a, razão para a rotura. Na
verdade, o BE optou por ser um PCP moderno. Ou
seja, um partido de protesto, já sem uma sociedade modelo (que o PCP teve até
ao fim da URSS), sem a força sindical do PCP mas com a característica comum de não ter
propriedades aditivas à esquerda. Ou seja, numa palavra, o Bloco recusa
qualquer aliança com o PS, mantendo no
essencial o desequilíbrio do nosso sistema político. Na direita e
centro-direita, com mais ou menos cedências, com maiores ou menores birras, há
uma unidade para o poder. Na esquerda há um partido
de poder, o PS, e dois partidos de protesto - o BE e o PCP.
A
recusa do BE em assumir-se como possível partido de governo pode escandalizar algumas mentes que se têm por mais
puras na defesa de uma linha ideológica.
Mas Daniel Oliveira coloca, a meu ver, muito bem a questão: é o partido um instrumento ou um fim em si? Ou
seja, o objetivo do Bloco é guardar a pureza de uma ideia (no que se torna
parecido com uma igreja ou uma associação tradicionalista) ou conseguir resultados
para a sociedade? O cronista tem defendido
que não passa de um instrumento. Tem sido coerente nessa defesa e eu concordo
que o laicismo mais puro na política deve ter sempre isso em conta. Não há outro objeto da política que não seja
social. Quer dizer, produzir um efeito que se considera benéfico na sociedade.
Tudo o resto é seita, igreja, clique ou manifestação de crença (aspetos que,
como se entende, por eu ser crente respeito muito mais do que o Daniel).
Acresce
que a resposta do Bloco a
Daniel foi triste. Nomeadamente a
reação de Louçã, de quem se espera sempre uma maior elevação intelectual. Disse
ele à Antena 1 o seguinte: "Não quero comentar a carta porque o Bloco de
Esquerda tem os seus porta-vozes e eles já falaram dela, e há um tom pessoal que
me leva a não fazer comentários. Enfim. Há um tom de pequenos ajustes de contas
pessoais". Ou seja, fez o truque mais
antigo dos politicões. Disse que não queria comentar, para comentar apenas o
que lhe interessa. Um lado qualquer pessoal que eu - e penso que a
maioria das pessoas - nem entendo.
De
um modo geral, a resposta de Louçã é semelhante à que dá João Semedo no
Expresso desta semana e outros dirigentes foram dando ao longo da semana. Vincam bem que o Bloco, finalmente, é igual aos
outros partidos. Entrou na fase em que apenas lhe interessa a própria
subsistência, as suas pequenas intrigas e os seus próprios rituais de poder. A saída de Daniel Oliveira não marcará o fim do
Bloco, mas marca, pelo menos, o fim de uma época do Bloco.
=Expresso=
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