Maria, uma cliente que ia ao Centro
tratar uma antiga dor na perna. Juntamente com essa dor, um medo muito grande
de que, por qualquer motivo, venha a depender da família.
Tinha sempre a impressão de que
algo iria acontecer-lhe; uma doença ou um problema financeiro qualquer e que,
por isso, ficaria dependente da família, o que lhe causava terrível angústia.
Era uma mulher de quarenta e dois
anos, casada, com dois filhos, profissional liberal de certo sucesso.
Aparentemente nada havia que justificasse os medos e as angústias da Maria.
Feito o tratamento, Maria segue à
sua vida, sem poder entender todos os motivos das suas queixas. Consegue
entender a raiva que sente em relação à família, isto é, a alguns membros da
família; entende também que era necessário perdoar, não porque isso fosse
bonito ou certo, mas porque se vê a fazer coisas que a levam a compreender
alguns erros no ser humano.
Maria tinha sido uma criança com
uma certa deficiência mental; ligeira, mas suficiente para que não pudesse
sobreviver pelo próprio trabalho. Filha de camponeses, empregados numa casa
solarenga, apalaçada e rica.
Aí cresce, nos campos floridos,
criança sempre contente, muito querida pelos pais, que vêm a morrer, passando a
Maria a ser cuidada pelos patrões.
Na casa apalaçada, havia os
filhos dos senhores, que a tratavam como uma simples serviçal, e pela
deficiência, era sempre alvo da chacota de todos eles.
Tinha também um leve defeito
físico na perna. Andava com certa dificuldade, não podia correr tanto como as
outras crianças. Nas brincadeiras pelos jardin do pequeno palácio, era sempre a
última.
A senhora decide, um dia, incluir
Maria no seu testamento, beneficiando-a com uma pequena parte dos bens, apenas
para que pudesse ter algo para sobreviver, já que não era capaz de prover o seu
próprio sustento.
Preocupados, os filhos, por terem
de dividir, resolveram fazer com que abandonasse a mansão.
Muito mais velha e gorda, devido
à própria deficiência, vivia numa cadeira de rodas de madeira, numa casa também
de madeira que, anteriormente havia sido ocupada pelos pais, quando ainda
vivos.
Não satisfeitos, os herdeiros
resolveram pegar fogo à casa, pensando que com ela arderia também a Maria, sem
poder defender-se, queimada viva.
Passados anos, Maria conta como
escapou às chamas sem que se apercebessem e como emagreceu. Sente-se um ser
inferior, embora não o seja, o que lhe causa grande fúria. Está sempre pronta a
fazer tudo quanto lhe pedem e nunca entendeu porque agia assim. Hoje, muito
mais tranquila, não mais se sente na obrigação de fazer seja o que for por quem
quer que seja.
Continua a viver sentada ou
deitada, recebendo a alimentação de quem lha dá na boca, e o seu olhar parece
não perdoar, mas também não pede perdão por erros que tenha cometido.
A dor na perna também é coisa do
passado. Maria já nada sente e nunca e queixa. Já não sente dores nem raiva.
Apenas vive, sem se aperceber que o faz ou o que faz.
E pergunto: «Quantas pessoas
vivem como a Maria, sem companhia e sem cuidados de ninguém?»
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