Fenómeno social de múltiplas origens, a
indigência permite traçar, pelos contornos que delimita e pelas relações que
estabelece, a progressão do desenvolvimento económico do país e suas
descontinuidades e, ainda, em termos de mentalidade, necessariamente ambivalente,
porque reflexo do posicionamento diferenciado da sociedade e dos grupos
resistentes à socialização, os movimentos oscilatórios e os conteúdos éticos
que presidiram ao complexo histórico-geográfico português.
Associada a fomes, pestes, calamidades
naturais, guerras, miséria, doença, desemprego, parasitarismo, o quadro em que
se move a indigência é o de uma sociedade dilacerada pelas suas contradições,
numa assumpção imperfeita e imobilista do seu devir histórico e das virtuais
potencialidades oferecidas.
Note-se, porém, que se as condições se
agravam no sentido do alastramento da indigência – não apenas da mendicidade –
a partir do início do século XXI, de que são exemplo as múltiplas medidas
legislativas repressivas, sinónimo, em última instância, não só da sua
continuidade como da sua ineficácia no controlo de uma realidade de implicações
profundas, tal não supõe a sua inocuidade em períodos anteriores.
Desde a crise de meados dos anos 80, cuja
amplitude desenhou os contornos de uma vaga de fundo de conflitos sociais, se
sucederiam as referências indicadoras do aumento da mendicidade, da indigência,
reportáveis, pelo seu carácter sistematizante à péssima distribuição das verbas
vindas de Bruxelas, à destruição da nossa Agricultura e Pescas também.
Esta iniciativa de D. Cavaco de Boliqueime,
estipulava, entre outros articulados, ser preferível transformar as searas em
campos de golfe e importar quase tudo quanto se comia, abandonando as terras do
interior, mas também as alentejanas, dando seguimento a um projecto antigo, a
construção da barragem de Alqueva, que
Salazar havia guardado bem fundo numa das suas gavetas.
Portanto, é a partir desse tempo que
começa surgir uma sucessão de leis sobre
o regime do trabalho dos assalariados e de almotaçaria sobre os salários, que
se destacam a vinda de cada vez mais subsídios a distribuir pelos amigos, a
investida desencadeada pelos senhores contra tabelas reputadas de excessivas,
em face da chegada da nova moeda para breve, o que iria causar uma procura de
emprego no litoral ou até no estrangeiro, o que causaria supostamente melhores
condições de vida, mas que traria um infindável cortejo de pobres, enfermos,
famintos, aleijados, viúvas e órfãos, sob o olhar indiferente dos governantes,
que afirmavam tratar-se de consequências do progresso acelerado.
Acresce que os difíceis tempos que
caracterizaram o início do novo século e a sua tendência económica regressiva,
inerentes aos próprios rumos que Portugal sofreu, claramente se agudizaram com
a União Europeia, suposta solução para os problemas nacionais, tendo-se verificado, fruto das exorbitantes exceções governativas
sobre a população portuguesa, um largamente da mendicidade extensível a mais
amplos estratos sociais e de sonâncias mais dramáticas.
Mas, apesar de avisados e de se ter
solicitado um plebiscito quer ´entrada na União Europeia quer na moeda única –
que se sabia irem causar “grandes assimetrias entre os portugueses” – uma vez
que nunca se quis proporcionar um nível de vida comparável aos restantes países
europeus (em Portugal as pensões e salários eram menos que metade do que se
recebia lá fora, bastando ir a Espanha ver), o povo cedo sentiu o peso das
desigualdades ms, sobretudo, o peso das medidas de austeridade, sendo apesar de
tudo acusado de pretender viver acima das suas possibilidades, mas também no
desemprego e na miséria que tudo isso acarretou.
Hoje vive-se o reflexo de tais políticas e da
“euforia” originada por um europeísmo sem regras, com Tratados assinados às
cegas, pois convinha que fossemos tomados pelos bons alunos.
Hoje, afinal, somos um país e um povo quase
apátrida, vencido pela arrogância de políticos incompetentes e sem o mínimo de
respeito pela cidadania nacional.
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