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domingo, 4 de agosto de 2013

Rendas desesperam idosos

As actualizações das rendas levaram 40 mil pessoas a pedir prova de carência económica. A burocracia cria filas intermináveis na associação de inquilinos e há quem chegue de madrugada para ter senha.
Maria Conceição decidiu prevenir-se e levou um banco para suportar a espera à porta do número 12 da Avenida Almirante Reis, em Lisboa. É a sede da Associação dos Inquilinos Lisbonenses (AIL), onde esta reformada de 86 anos e doente oncológica chegou às 8h00, já com pessoas à frente, quase todas com mais de 65 anos. Aguardou que as portas abrissem às 9h para a distribuição das senhas. «Tenho dez operações e uma prótese na perna e sou obrigada a vir para aqui», desabafa. 

Em causa está a nova lei do arrendamento, que veio alterar o processo de actualização das rendas anteriores a 1990, que estiveram congeladas durante décadas. Os senhorios podem actualizar os valores com uma proposta escrita aos inquilinos, mas quem estiver em carência económica pode propor um aumento mais suave, mediante uma declaração das Finanças, com o chamado Rendimento Anual Bruto Corrigido (ler ao lado).
 

Mas as dúvidas são muitas e as filas de idosos à porta da AIL são diárias: «Só agora as Finanças estão a entregar os documentos que provam a situação de carência económica», explica o presidente da AIL, Romão Lavadinho. Como a lei prevê 15 dias após a recepção do documento para entregar uma contraproposta aos proprietários, a ansiedade é evidente.
 

No caso de Maria Conceição, o senhorio da casa onde mora há 60 anos propôs um aumento de 323 euros. Está a pagar 119 euros e quando foi para a habitação pagava «pouco mais de um conto», ou seja, cerca de cinco euros na moeda actual. A reforma não chega para cobrir a proposta do senhorio: «São 222 euros meus e 222 euros do meu marido».
 

Mais à frente na fila, quase a entrar, está Maria Clara Ramos, 73 anos. «Estou aqui desde as 07h15», diz. Esta inquilina foi à AIL tentar reduzir um aumento da renda actual de 74 euros para os 488 euros propostos pelo senhorio. «Só a minha reforma passou de 468 para 429 euros». A frase fica suspensa no ar porque chegou a vez de receber uma senha amarela da mão de uma funcionária da AIL. Passava pouco das 9h00.
 

Tentativas frustradas
 

A conversa continua dentro das instalações, onde já esperam umas 40 pessoas. De pé, encostada a uma parede, está Apolónia Mendonça. «Hoje cheguei às 6h00, mas na quinta-feira cheguei as 4h30 e já tinha 30 pessoas à frente», lembra a inquilina, queixando-se de que é a sexta visita à AIL. «Caso eu não entregasse a declaração teria de pagar a renda proposta por ele, que era de 300 euros. Agora estou a pagar 63...». Os murmúrios da espera são interrompidos por uma voz altiva: «Senha amarela 32!». Apolónia olha para o papel amarfanhado entre os dedos, desculpa-se e segue a voz.
 

Em Portugal, existem cerca de 255 mil inquilinos com rendas antigas. Só em Lisboa estão 80 mil pessoas nesta situação, e a AIL já atendeu 45 mil desde Novembro de 2012, data da entrada em vigor da nova lei. Houve 24 mil que procuraram o atendimento presencial, 14 mil que recorreram à via telefónica e sete mil ao e-mail.
 

Apesar de ter outros mecanismos, Odete Parreira, 82 anos, chegou à AIL pouco depois das 5h00. «Quando cheguei era a oitava na fila», conta, antes de lembrar as tentativas frustradas em conseguir a tão desejada senha azul, que dá acesso ao atendimento por um dos juristas da associação. «É a quarta vez que venho e só hoje conseguimos a senha azul. A última vez, era a décima e só deram nove senhas».
 


Voltamos para a rua. São 09h35. A fachada da AIL está agora vazia, em contraste com o aglomerado de pessoas que esperam lá dentro.




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