Os portugueses não são, como afirmam por
vezes irracionalmente, uma raça latina, mas uma civilização, em que a raíz
latina tem um lugar essencial.
O espírito portugês revela imediatamente,
quando se considera, duas tendências contraditórias; uma de Sancho Pança, e a
outra de D. Quixote.
Existe um tendência prática e mesmo terra–a-terra,
que exprime sobretudo no temperamento e comportamento tradicional do
aldeão. Origem é, penso, principalmente
céltica, pois o celta, mesmo inconstante, poeta e fantasista, agarrado á
família, ao sol, a tudo o que enraíza no seu meio.
É por isso que nos distinguimos dos
anglo-saxónicos e dos nórdicos e é na vida privada que estes traços se
desenvolvem com mais força, pois a vida pública lhe parece que se trata dum
outro homem.
Deste ponto de vista, como chefe de família,
como membro dessa família ou como indivíduo, o português testemunha num sentido
estreito e de interesse material, de um gosto quase apaixonado pela propriedade
individual, no sentido romano do termo (uti et abuti, sim é bem assim que ele
entende).
Nos assuntos privados, é um ser de bom senso,
possuindo um bom grau de espírito de medida: reprovam-lhe quase de não visar
bem alto, de se contentar de muito pouco, porque “um tens vale mais que dois
terás”, diz-lhe o provérbio, e ele pensa.
Resumindo, na existência de cada dia, é um
realista, que tem os pés assentes na terra e que não poupa as palavras.
Os assuntos dos portugueses são, geralmente
bem geridos, sobretudo quando guerras e catástrofes não se abatem sobre eles: o
seu mobiliário é bem limpo, a sua roupa em bom estado, e apesar de pobre, sabe
manter o bom humor…
O português em geral não gosta de dever
dinheiro, o seu parco orçamento é equilibrado, e se as depreciações monetárias
rendem uma são gestão impossível, é com sincera nostalgia que lamenta o tempo
em que podia, à custa de sacrifícios vários, manter um rumo de vida conforme
áas regras da sabedoria financeira que herdou de seus pais. Esta sabedoria, é o
espírito da poupança que o estrangeiro não possui, e que é susceptível de se
tornar mesmo em certo provincialismo e mesmo, em certo grau, materialismo.
Num velho país como o nosso, onde o dinheiro
é muito difícil de ganhar honestamente, não será natural que seja defendido
seriamente? Mas, o dinheiro não é e nunca será, como alguns pretendem, o novo “deus”
nem deve ser considerado como tal. Necessário à vida, mas só isso…
Mas isto não é que, todavia, um aspecto do
nosso carácter, que contradiz uma tendência, não menos evidente, para o
universalismo e o desinteresse.
E se o dinheiro é necessário à vida de
todos, torna-se necessário fazer uma
revisão geral das consciências, libertando o espírito para uma espécie de
embraiagem entre a acção e o pensamento.
Ultrapassamos o estreitamento nacionalista e
étnico para nos elevarmos a uma noção, propriamente humanista, do homem, e é
por aí que a nossa capacidade, a nossa faculdade de libertar os espíritos, de
abrir as janelas aparecem verdadeiramente incomparáveis. Esta traço é latino, e
nós possuímos sem dúvida a latinidade pelo classicismo que é a base de toda a
nossa educação e rumo ao qual somos sempre empurrados pelo nosso instinto
nacional mais profundo.
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