Em muitas aldeias e vilas alentejanas, já era habitual
ver as ruas repletas de asiáticos em alguns meses do ano. Com dificuldade em
contratar pessoas em Portugal, recrutar vietnamitas ou tailandeses para as
colheitas e outros trabalhos agrícolas tornou-se um expediente comum dos
proprietários das explorações, sobretudo do Centro e Sul do país.
Mas o recurso à mão-de-obra importada está a acabar.
Com o aumento do desemprego, a disponibilidade para trabalhar é outra e os
trabalhadores estrangeiros estão a ser substituídos por portugueses. Pela
primeira vez na última década, a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP)
não recebeu este ano solicitações de empresas agrícolas para a vinda de
contingentes de trabalhadores asiáticos.
Segundo explicou ao SOL João Machado, presidente da
confederação que representa os proprietários agrícolas, as requisições de
trabalhadores eram intermediadas pela CAP, que agregava os pedidos das empresas
e formalizava as solicitações junto do Governo português e das embaixadas.
O número de trabalhadores variava consoante a produção
e a oferta de mão-de-obra, mas “houve anos em que chegaram contingentes de 10
mil trabalhadores estrangeiros”, lembra. Agora, há uma reviravolta. “O
desemprego faz com que haja mais mão-de-obra disponível e este ano não houve
necessidade de fazer esses pedidos”.
João Machado garante que a dificuldade em contratar
portugueses não era o que se pagava aos trabalhadores.
“Ao contrário do que
muitas vezes se diz, a agricultura não tem baixos salários. Pode ser um
trabalho duro, mas chega-se a receber seis, sete, oito euros à hora”, afirma.
Trabalhar um mês, por vezes com sábados incluídos,
pode dar um salário de mil euros ou mais. Aos tailandeses e vietnamitas era
oferecida a mesma remuneração. “O objectivo dos contingentes estrangeiros não
era reduzir os custos salariais”, assegura João Machado.
A substituição de trabalhadores estrangeiros por
portugueses nas colheitas de Primavera terá sido um dos principais factores a
impulsionar a evolução do emprego na agricultura, no segundo trimestre.
O maior aumento em 22
anos
Os dados revelados na semana passada pelo Instituto
Nacional de Estatística (INE) deixaram muitos economistas sem saber o que
dizer. O desemprego no país desceu de forma bastante mais acentuada do que se
previa e o maior contributo vinha de um sector específico: a agricultura, com
46 mil postos de trabalho criados em três meses.
Segundo dados históricos solicitados pelo SOL ao INE,
há 22 anos que este sector não gerava tantos empregos no segundo trimestre, em
comparação com o anterior. É preciso recuar a 1991, quando foram criados 96 mil
postos de trabalho em três meses, para um aumento tão expressivo.
Embora haja novos projectos agrícolas que começam
agora a gerar emprego (ver caixa), o misterioso aumento do trabalho do campo
deverá explicar-se sobretudo por uma maior disponibilidade de portugueses para
trabalharem nas colheitas de Primavera.
A presidente do Observatório dos Mercados Agrícolas e
Importações Agro-Alimentares, Maria Antónia Figueiredo, frisa que em Maio e
Junho há colheitas de frutas e legumes que necessitam de mão-de-obra intensiva.
É o caso da cereja e do mirtilo, por exemplo. “São produtos agrícolas frágeis e
que têm de ser colhidos à mão, sem meios mecânicos, para não serem
danificados”, explica.
Este ano, diz Maria Antónia Figueiredo, estas duas
colheitas foram positivas em termos de qualidade e de volume de produção, pelo
que poderá ter havido um efeito positivo sobre o emprego.
Ainda assim, a responsável do observatório olha com
prudência para os números do INE. “Esta sazonalidade sempre existiu”, sublinha,
admitindo que o efeito sazonal sobressai mais este ano porque os restantes
sectores de actividade do país estão estagnados ou a perder emprego.
Fiscalidade criou
‘novos’ agricultores
Outro factor que pode estar a fazer aumentar o número
de pessoas com actividade oficial na agricultura são os impostos. O Orçamento
do Estado para 2013 previa um conjunto de novas obrigações fiscais para os
trabalhadores do sector.
A obrigatoriedade de passar facturas em todas as
transacções, por exemplo, forçou muitos agricultores a abrirem actividade na
Autoridade Tributária e Aduaneira. “Hoje é preciso estar colectado para vender
um ramo de salsa”, diz ao SOL João Dinis, dirigente da Confederação Nacional da
Agricultura (CNA), que representa pequenos e médios agricultores.
“As famílias que vivem da agricultura já não têm
capacidade para contratar trabalhadores, por isso não poderá haver apenas
factores sazonais a explicar o emprego”, frisa, considerando que os números do
INE podem estar empolados com o registo de trabalhadores que já exerciam
actividade informal na agricultura.
Sem comentários:
Enviar um comentário