Sei que estão desqualificados tanto a mística
como a esquerda – uma certa ‘esquerda’ –, às quais se prefere o racionalismo dos
universitários e a direita dos senhores da selva, sob o regime dos quais vivemos.
Ora, os discursos nada ganham em pretenderem
apoiar-se no objectivo, no racional, na verdade, na dedução, quando,
disfarçados, permanecem todos fundamentalmente inspirados pelo visceral.
Ultrapassar-se-ia o propósito colocado à
política ao fazer a psicanálise dos empenhamentos que decidem, para este e aquele,
de se instalar radicalmente na direita ou na esquerda – excluo, evidentemente,
os profissionais da renúncia, os renegados que vão de um lado para o outro,
segundo os interesses que ora os conduzem aqui, ora acolá, tanto os centristas,
essa peste política que acampa a igual distância daqueles a quem se venderá,
desde que uns ofereçam mais que os outros.
Aliás, devemos a estes últimos uma das
desqualificações mais em voga do termo “esquerda”. Pelo que é preciso ver-se a
sua vitalidade aqui mesmo reafirmada – pois se direita e esquerda nada mais
significam, se as duas categorias estão ultrapassadas, como o afirmam aqueles
cujo espírito, no máximo das suas possibilidades, se encontra no psitacismo,
então porque motivos só proferem semelhantes disparates na altura em que o
sócio capitalista no poder está em cuidados para encontrar um apoio noutro
local, sempre ao centro, quando estão prontos para lho concederem em troca,
apenas, da partilha das pastas ministeriais?
A recusa da partilha e da clivagem entre
direita e esquerda é um facto dos homens d direita ou daqueles que são
motivados unicamente pelo poder em si mesmo.
Outra desqualificação
da esquerda provém dos que dela se reclamam para justificar seja o seu talento
pela tirania, seja a sua obsessão maníaca em chegar ao trono cobiçado durante
toda uma carreira, não política, mas politiqueira.
Dos primeiros, ditadores num registo feudal antigo e dos segundos, velhacos e hipócritas acabados, não se deve esperar
qualquer talento pela mística, mas apenas uma excelência consumada na retórica,
na estratégia, na táctica e em todas as artes da guerra assimiladas.
A vontade de circunscrever uma mística de esquerda supõe um desejo de
captar energias, de ler e ver actuar forças e de celebrar penas estas dinâmicas
e não, certamente, s individualidades que, durante a História, não deixaram de
refrear ou, até mesmo, de destruir esses magníficos potenciais, ao quererem
apoderar-se deles para os esculpir.
Também nada se importam com o destino de uma
sociedade como a portuguesa, que tem passado momentos de verdadeiro terror
político e social devido à hipocrisia que demonstram em todos os seus actos, em
todas as suas práticas do quotidiano.
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