Se ser homem é um drama em si mesmo, ser
português é outro maior.
Assim, o português tem o privilégio de viver
duas vezes a nossa condição.
Representa a existência separada por
excelência ou, par empregar uma expressão de que se servem os teólogos para
qualificar Deus, o inteiramente outro.
Consciente da sua singularidade, pensa nela
ininterruptamente e nunca se abandona: daí esse ar constrangido, crispado ou de
falsa segurança que é tão frequente naqueles que carregam o fardo de um
segredo.
Em vez de se orgulhar das suas origens, de as
ostentar e de as afirmar bem alto, camufla-as: não lhe conferiria, porém, a
sua sorte ímpar o direito de olhar com altivez a turba humana?
Vítima, reage à sua maneira como um vencido
sui generis.
Em mais de um aspecto, aparentava-se a essa
serpente que transformou em personagem e em símbolo.
Não julguemos, todavia, que também ele tem o
sangue-frio: seria ignorar a sua verdadeira natureza, os seus entusiasmos, a sua capacidade de amor e de ódio, o seu gosto pela vingança ou s excentricidades da
sua caridade.
Excessivo em tudo, emancipado da tirania da
paisagem, da estupidez do enraizamento, sem amarras, acósmico, ele é o homem
que nunca será daqui, o homem vindo de outro lugar, o estrangeiro em si, que não poderia sem equívoco falar em nome dos indígenas, de todos.
Traduzir os seus sentimentos, tornar-se seu intérprete, como pretenderia ele semelhante tarefa?
Não haveria multidão que não conseguisse
arrastar, conduzir, sublevar: a trombeta não lhe assenta bem.
Censurá-lo-ão pelos seus pais, pelos seus
antepassados, que repousam lá longe, noutros países, noutros continentes.
Sem sepulturas para mostrar, para explorar,
sem a possibilidade de ser o porta-voz de qualquer cemitério, não representa
ninguém senão ele próprio, nada senão ele próprio.
Se se reclama da última palavra de ordem, se
está na origem de uma revolução, ver-se-á rejeitado no exacto momento em que as
suas ideias triunfam, em que as suas palavras têm força de lei.
Se um serve de causa, não poderá fazê-la sua até
ao fim. Chega o di em que tem que a contemplar como espectador, como
desiludido.
Defenderá em seguida um outra, com um excesso
não menos notório. Muda de país? O seu drama recomeça:o êxodo é a sua base, sua certeza, o seu lar.
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