Número total de visualizações de páginas

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

«ESPÍRITOS PERDIDOS»

A vida é constituída por hábitos. O homem tem o poder estranho de adaptação que o domina, enraíza e prende a todas as situações.

Aquele que nasce pobre, raramente sente a necessidade de ser rico. Para ele, que assim cresce em hábitos mesquinhos, nada mais é preciso do que a côdea de pão e a enxerga velha onde pouco dorme. Os desperdícios dos abastados, sabem-lhe a manjares celestes, inigualáveis. (Deste modo pensam todos os que dedicam à sua vida o poder de decidir por ele).

O que nasce rico, acostumado ao supérfluo, prefere a morte à ideia de se ver privado de quanto lhe parece indispensável.

O que aprende a trabalhar, encontra nas lides mais esforçadas o resumo das suas ambições e da sua existência.

Acontece o mesmo com o feliz e o desgraçado. Este acomoda-se ao tenebroso dia-a-dia, endurece-se ao seu contacto, deixa de sentir. O hábito predispõe-no a aceitar tudo como natural. É  normalidade!

Súbita mudança de sorte ataranta-o, desnorteia-o, será muito capaz de a desprezar. Falta-lhe qualquer coisa de superior, absolutamente contrária à lei do rastejamento, da vegetação…

A personalidade feita, o carácter livre, nato da independência! Assim encontra explicação tanta fome e tanta miséria. Persiste,  triunfa o hábito de nada fazer, de nada merecer, a escravizar a triste situação do homem…

Transformem um pedinte num banqueiro… que realizam? Um imbecil! Façam de um roça-esquinas um escritor! Que dirá? Parvoeiras!

No inverso. Tornem um banqueiro num pedinte! Dá em suicida! Ponham o escritor em roça-esquins. Dá em doido!...

O próprio soldado, marchando no campo de batalha, não vai animado pelo sopro do heroísmo… Habituou-se à ideia de morrer dum tiro… o general manda-o avançar, e ele não hesita…

Diz o povo que “cada qual é para o que nasce…” Sabedoria ensinada por Deus!...

Sem dúvida, existem espíritos claros, lúcidos, invulgares, gigantes a quem, abismados, seus irmãos pigmeus, em lembrança da história da avozinha, chamam génios, e que fogem ao domínio do rotinismo e lutam para se libertarem das algemas dum terreno preparado por milénios…

Mas, quantos desses, também forçados por destinos estranhos à sua vontade, habituados a criarem e um dia, sem fôlego para mais, acabam vergando a cabeça ao poderio acomodativo do organismo, sempre tendente a resistir à violência.

Por cada milhão, na humanidade, desde sempre deve ter existido um “génio”, nesses espíritos admiráveis que, de certo animados pela vontade divina, principiaram a lascar a pedra, a construir habitações, a redigir em prosa e verso pensamentos e factos, a aprofundar a vida, arrancando-lhe segredos e dominando-a aos poucos…


É por isso, mal comparado, que há tanto pobre, com forças para trabalhar, a preferir morrer de miséria, ou, mais propriamente, a ser forçado a viver na miséria por falta do ganha-pão no seu dia-a-dia.

Sem comentários:

Enviar um comentário