A vida é constituída por hábitos. O homem tem
o poder estranho de adaptação que o domina, enraíza e prende a todas as
situações.
Aquele que nasce pobre, raramente sente a
necessidade de ser rico. Para ele, que assim cresce em hábitos mesquinhos, nada
mais é preciso do que a côdea de pão e a enxerga velha onde pouco dorme. Os
desperdícios dos abastados, sabem-lhe a manjares celestes, inigualáveis. (Deste
modo pensam todos os que dedicam à sua vida o poder de decidir por ele).
O que nasce rico, acostumado ao supérfluo,
prefere a morte à ideia de se ver privado de quanto lhe parece indispensável.
O que aprende a trabalhar, encontra nas lides
mais esforçadas o resumo das suas ambições e da sua existência.
Acontece o mesmo com o feliz e o desgraçado.
Este acomoda-se ao tenebroso dia-a-dia, endurece-se ao seu contacto, deixa de
sentir. O hábito predispõe-no a aceitar tudo como natural. É normalidade!
Súbita mudança de sorte ataranta-o,
desnorteia-o, será muito capaz de a desprezar. Falta-lhe qualquer coisa de
superior, absolutamente contrária à lei do rastejamento, da vegetação…
A personalidade feita, o carácter livre, nato
da independência! Assim encontra explicação tanta fome e tanta miséria.
Persiste, triunfa o hábito de nada
fazer, de nada merecer, a escravizar a triste situação do homem…
Transformem um pedinte num banqueiro… que
realizam? Um imbecil! Façam de um roça-esquinas um escritor! Que dirá?
Parvoeiras!
No inverso. Tornem um banqueiro num pedinte!
Dá em suicida! Ponham o escritor em roça-esquins. Dá em doido!...
O próprio soldado, marchando no campo de
batalha, não vai animado pelo sopro do heroísmo… Habituou-se à ideia de morrer
dum tiro… o general manda-o avançar, e ele não hesita…
Diz o povo que “cada qual é para o que nasce…”
Sabedoria ensinada por Deus!...
Sem dúvida, existem espíritos claros,
lúcidos, invulgares, gigantes a quem, abismados, seus irmãos pigmeus, em
lembrança da história da avozinha, chamam génios, e que fogem ao domínio do
rotinismo e lutam para se libertarem das algemas dum terreno preparado por
milénios…
Mas, quantos desses, também forçados por
destinos estranhos à sua vontade, habituados a criarem e um dia, sem fôlego para
mais, acabam vergando a cabeça ao poderio acomodativo do organismo, sempre
tendente a resistir à violência.
Por cada milhão, na humanidade, desde sempre
deve ter existido um “génio”, nesses espíritos admiráveis que, de certo
animados pela vontade divina, principiaram a lascar a pedra, a construir
habitações, a redigir em prosa e verso pensamentos e factos, a aprofundar a
vida, arrancando-lhe segredos e dominando-a aos poucos…
É por isso, mal comparado, que há tanto pobre,
com forças para trabalhar, a preferir morrer de miséria, ou, mais propriamente,
a ser forçado a viver na miséria por falta do ganha-pão no seu dia-a-dia.
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