Habitantes
foram esta quarta-feira de manhã retirados das casas construídas na escarpa. Se
continuarem a recusar a mudança para o Bairro do Cerco, serão confiados à
Segurança Social.
A Câmara do Porto procedeu esta manhã ao despejo dos moradores
do Bairro do Nicolau, nas Fontainhas. Sem aviso prévio, pelas 8h, um enorme
contingente de elementos da PSP, Polícia Municipal e técnicos de vários
serviços municipais começou a bater à porta das casas, informando as pessoas de
que tinham de sair.
O município
quer demolir o bairro e consolidar a escarpa, dos Guindais às Fontainhas, onde
garante não existirem condições de segurança nem de habitabilidade.
Isabel Lima é uma das pessoas que,
em Maio, quando foi afixado o edital a avisar os moradores de que tinham de sair,
se recusaram a aceitar a única solução proposta pela empresa municipal Domus
Social para o realojamento – um apartamento no Bairro do Cerco. Esta manhã, com
o coração ao pé da boca, pensava em voz alta: tanto dizia que não sabia o
que fazer à carne que tinha no congelador como se perguntava como iria explicar
ao ex-companheiro o que estava a acontecer aos filhos do casal e a todo o
bairro, onde ela morou toda a vida. “Bateram à porta pelas 8h:
'Pum-pum-pum'! Parecia uma rusga. Era um aparato enorme. Cortaram a água, mas
já a restabeleceram, e começaram logo a mudar as fechaduras. Arrancaram-me a
corda com a roupa estendida… Se houvesse traficantes aqui, não faziam isto”,
disse ao PÚBLICO.
No local esteve também um
autocarro que, segundo foi possível apurar, levou os moradores do bairro para a
Segurança Social. Isto, embora Filipa Melo, administradora da Domus Social, vá
insistindo que a empresa municipal tem tudo preparado para que, a qualquer
momento, as 25 pessoas, de oito famílias que ocupam 12 casas do bairro, possam
recuar e aceitar os apartamentos "reabilitados, prontos a habitar"
que lhes estão reservados no Bairro do Cerco. O seu realojamento, eventualmente
em pensões, a cargo da Segurança Social, só ocorrerá, se elas mantiverem a
recusa intransigente do Cerco. "Quatro moradores já aceitaram",
sublinha Filipa Melo. O que é outra forma de dizer que apenas quatro dos
moradores, logo no início do processo, em Maio, aceitaram a mudança para
aquele bairro, que todos aqui associam a droga e insegurança.
A operação decorreu pausadamente e
a bom ritmo. Além das pessoas, foram retirados do local cães, gatos, galinhas e
até um melro. Ninguém sabia como retirar deste bairro colado à linha férrea,
cujo acesso se processa por uma ponte metálica sobre a linha, um porco cuja
existência está referenciada pelos serviços camarários. Mas a meio da manhã
ninguém vira o bicho. E havia quem fizesse figas para que o porco já tivesse
sido reduzido a febras. Alguns dos animais já recolhidos foram para o canil
municipal.
Isabel Lima não sabe o que vai
fazer a seguir. “Disseram-nos para trazer apenas o essencial, que depois
podíamos voltar cá e vir buscar o resto. Mas já trocaram as fechaduras…”,
lamentava-se enquanto funcionários da Águas do Porto passavam com malas cheias
de contadores de água, dos antigos.
Rebelo Carvalho, o comandante
operacional da Protecção Civil municipal, garante que ninguém trocou
fechaduras: "O que se fez foi selar as casas. Os moradores vão ser
colocados a salvo e voltarão cá, mais tarde, para tratarem da mudança e do
transporte dos seus bens para o local seguro que escolherem." Rebelo
Carvalho e o comandante da Polícia Municipal, Leitão da Silva, insistem
muito nesta ideia: o que se passou não é um despejo nem uma operação
policial, mas sim uma operação de socorro, a cargo da Protecção Civil.
Apesar de não terem tido qualquer
indicação da Câmara do Porto de que o despejo estava iminente, os moradores
tinham ficado de sobreaviso na terça-feira, pelo facto de terem sido visitados
por elementos da Águas do Porto e de outros técnicos. Na altura, Isabel
Lima garantiu ao PÚBLICO que os técnicos não tinham prestado qualquer
informação aos residentes.
A Protecção Civil, em resposta
escrita enviada ao PÚBLICO, explicou apenas que, “decorrido o prazo sem que as
construções tivessem sido demolidas pelos proprietários e mantendo-se parte das
casas ocupadas, o município entendeu realojar os ocupantes, tendo em conta o
risco iminente” da escarpa. A mesma fonte não esclareceu, contudo, se o
município tinha qualquer nova alternativa de realojamento para apresentar aos
moradores.
Em Junho, o vereador da Protecção
Civil, António Sousa Lemos, disse, em reunião de câmara, que a “urgência [na
demolição do Bairro do Nicolau]" seria sempre "muito subjectiva”.
Terça-feira, os serviços que dirige indicaram ao PÚBLICO, sem precisar qualquer
data, que, após o “realojamento” dos moradores, seriam “levadas a cabo diversas
intervenções, nomeadamente a demolição do casario seguida da intervenção na
escarpa”.
Esta manhã, a administradora
da Domus Social reiterou que o Bairro do Cerco foi o único da cidade onde a
empresa municipal conseguiu arranjar apartamentos suficientes para toda a
gente do Bairro do Nicolau, para não desmantelar a comunidade.
Revoltado, mas mantido fora do
perímetro de segurança definido pelas autoridades, o arquitecto Fernando Matos
Rodrigues, especialista nas "ilhas" e noutras formas de
habitação tradicional do Porto, protestava contra o que se estava a passar. O
arquitecto, que organizou recentemente uma assembleia de moradores e académicos no local, punha em causa o argumento
camarário de que a potencial instabilidade da escarpa, debruçada sobre o
Douro, requer o despejo dos moradores e a demolição do casario - operação
que começou nas tais quatro casas que já estavam devolutas. E admitia avançar
com uma providência cautelar, que dificilmente chegará a tempo, mesmo que
deferida.
Fonte da Protecção Civil disse ao
PÚBLICO que nesta quarta-feira não haverá demolição, propriamente dita: "O
que se está a fazer é a deixar as casas sem condições de habitabilidade, para
que não possam voltar a ser ocupadas por ninguém."
=Público=
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