“Entre a vida e a morte, encontrarão sempre
espaço bastante para escamotear uma e outra, para evitar viver, e que se viva,
para evitar morrer. Vítimas de uma catalepsia lúcida, sonhando com um status
quo eterno, como reagiriam contra a obscuridade que as assedia, contra o avanço
de civilizações opacas?”
Se queremos saber o que foi um povo e porque
se tornou indigno do seu passado, basta-nos examinar s figuras que mais o
marcaram.
O que foi Portugal, dizem-no bem os retratos
dos seus grandes homens. Como é impressionante contemplar essas cabeças viris,
por vezes delicadas, o mais das vezes monstruosas, a energia que irradiam, a
originalidade das fisionomias, a arrogância e a firmeza dos olhares!
Depois, pensando na timidez, no bom senso, na
“correcção” dos portugueses de hoje, compreendemos porque é que já não sabem
representar Gil Vicente, porque é que o tornaram insípido e o castram.
Estão tão distantes dele como de Ésquilo
deviam estar os gregos tardios.
Já nada têm de “isabelino”: aplicam o que
lhes resta de “carácter” a salvar as aparências, a manter a fachada. Pag-se
sempre caro ter-se levado a sério a “civilização”, tê-la assimilado em excesso.
Quem contribuiu para a formação de um
império? Os aventureiros, as feras, os canalhas, todos os que não têm o
preconceito do “homem”.
Ao sair da Idade Média, Portugal, transbordante
de vida, era triste e feroz: nenhuma preocupação com a honorabilidade vinha
contrariar o seu desejo de expansão.
Emanava dela essa melancolia da força tão
característica das personagens vicentinas.
Os seus escrúpulos? Cria-os num deboche de
energia, pelo gosto do sucesso, pela tensão de uma vontade inesgotavelmente
doente.
Ninguém foi mais liberal, mais generoso para
com os seus próprios tormentos, ninguém os prodigalizou tanto. Luxuriantes
ansiedades!
Como se elevariam até elas os actuais
portugueses? De resto, não pretendem de maneira alguma fazê-lo. O seu ideal é o
homem como deve ser: aproximam-se dele perigosamente. É quase a única nação que,
num universo em desalinho, se obstina ainda em pretender ter estilo.
A ausência de vulgaridade assume em Portugal
uma dimensão alarmante: ser-se impessoal constitui um imperativo, fazer bocejar
os outros, uma lei.
À força de distinção e de sensaboria, o
português torna-se cada vez mais impenetrável e desconcerta, pelo mistério que
lhe atribui, desprezando a evidência.
Será necessário compreender que Portugal só
saiu da Idade Média em Abril de 1974 e, ao que parece, ela está a pretender – através dos seus
actuais governantes – regressar.
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