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terça-feira, 9 de julho de 2013

«CARREIRA DAS PALAVRAS»

A história das ideias não passa de um desfilar de vocábulos convertidos noutros tantos absolutos: para disso nos convencermos basta sublinhar os acontecimentos mais marcantes desde o início do século.

Sabemos do triunfo da «ciência» na época do positivismo. Quem se reclamasse da ciência podia divagar á vontade;: tudo lhe era permitido a partir do momento em que invocasse o “rigor” ou a “experiência”. A Matéria e a Energia entraram pouco depois em cena: o prestígio das suas maiúsculas não foi duradouro.

A indiscreta e insinuante Evolução conquistava terreno à sua custa. Sinónimo erudito do “progresso”, contrafacção optimista do destino, pretendia eliminar todo o mistério e legislar sobre as inteligências: formou-se à sua volta um culto comparável ao que se dedicava ao “povo”.

Embora tenha tido a sorte de sobreviver à sua voga, já não desperta qualquer entoação lírica: quem a exalta compromete-se ou faz figura de antiquado.

Nos finais do século XX e início do século XXI, a confiança nos conceitos viu-se abalada. A intuição, com o seu cortejo: duração, impulso, vida, beneficiaria dessa situação e instauraria, durante algum tempo, o seu reinado.

Depois, foram precisas coisas novas: e chegou a vez da Existência. Palavra mágica que excitou especialistas e diletantes. Finalmente, fora descoberta a chave. E já não se era um indivíduo, era-se um Existente.

E hoje, também já se não é um existente, mas penas um Sobrevivente, já que se atingiu á época da Sobrevivência.

Quem fará um dicionário dos vocábulos segundo as épocas, um recenseamento das modas filosóficas?

Semelhante empreendimento revelar-nos-i que os sistemas envelhecem pela sua terminologia, desgastam-se sempre em virtude da sua forma.

Este pensador, em quem estaríamos ainda interessados,  recusamo-nos a lê-lo porque nos é impossível suportar o aparato verbal que reveste as suas ideias, o que se toma de empréstimo à filosofia é nefasto para a literatura.

(Bast pensar em certos trechos de Novalis estragados pela linguagem fichteana.)

As doutrinas morrem por aquilo que lhes assegurou o sucesso: pelo estilo. Para reviverem, é preciso que as repensemos na nossa gíria ou que as imaginemos antes da su elaboração, na sua realidade informe.

Entre os vocábulos importantes, há um cuja carreira particularmente longa suscita reflexões melancólicas. Refiro-me à Alma.

Quando consideramos o seu estado actual, o seu fim digno de dó, ficamos como que interditos. No entanto, a alma começara bem.

Lembremo-nos do lugar que o neoplatonismo lhe concedia: princípio cósmico, derivação do mundo inteligível. Todas as doutrinas antigas, marcadas pelo misticismo, se lhe referiam.

Menos preocupado com definir-lhe  natureza do que com determinar a sua utilização pelo crente, o cristianismo reduziu-a a dimensões humanas. Como não deve  alma ter então chorado o tempo em que incluía a natureza e gozava do privilégio de ser simultaneamente uma imensa realidade e um princípio explicativo!

No mundo moderno, conseguiu conquistar terreno a pouco e pouco e consolidar as suas posições.

Crente e descrentes tinham que a levar em conta, que contemporizar com ela e que a fazer valer; ainda que para a combater, todos continuavam a citá-la, mesmo na maré-cheia do materialismo; e os filósofos, tão reticentes a seu respeito, continuavam, apesar de tudo, a reservar-lhe um caminho nos seus sistemas.




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