Quando se deseja evitar os simples ou os
esotéricos, os populistas ou os elitistas, o primeiro excesso consiste em actuar como émulo de Jean Dubuffet; recusa
pura e simples de toda a cultura considerada burguesa.
Ora, este eolgio niilista supõe, a montante,
todo o luxo que se pode permitir um conhecedor da dita cultura. Bem se pode
lançar pela borda fora todo o saber par outrem, quando ele constituiu uma ocupação
para si próprio. Pois a utilização burguesa da cultura está errada, não por se
tratar dessa cultura, mas pelo modo como ela é utilizada.
A cultura asfixiante só o é, e só adquire esse
estatuto, na condição de se dispor de uma imensa cultura. A sua recusa permanece
um gesto cultural, seja o que for que fizermos. Atendendo ao que é privado,
este luxo parece um ostentação.
O segundo excesso, depois do esquecimento,
consiste em promover e em ensinar o ódio pela cultura, em recusá-la,
desprezá-la, desconsiderá-l, até mesmo em redefini-la, no intuito de a fazer
coincidir com práticas já factuais.
Os indigentes, os elitistas e os niilistas na
matéria, acabam por jogar o mesmo jogo e contribuem para tear as fogueiras onde
perecem todas as obras dignas desse nome, deixando o lugar para os dejectos do
mercado, longe de qualquer circulação de ideias.
A desconsideração da cultura assinala o
triunfo do princípio liberal. Os números indicam a frequentação de museus, as
vendas de livros e de discos, a frequentação de exposições ou de concertos, alimentam uma sociologia das práticas culturais úteis pra legitimar a oferta,
segundo os princípios de um procura fabricada de alto a baixo. Consome-se
cultura, portanto, é-se culto.
Uma estética generalizada reata com o
gramscismo, para quem a cultura fornece à resistência e à insubmissão uma arma
libertária e não liberticida, libertadora e não liberal.
O cifrão, o número, a quantidade, os
princípios e as leis do mercado nunca determinam a qualidade. Equação liberal não se esconde: a quantidade é
igual à qualidade.
Alinhadas a este axioma, s produções conhecem
tanto mais a mediatização quanto pouparem cuidadosamente o sistema graças ao
qual devem a sua existência.
Uma cultura digna desse nome expõe menos a
excelência da regra do jogo liberal do que a opção libertária declinada sob
todas as suas costuras.
Utilização
burgesa da cultura supõe o enfeudamento do saber à concorrência, ao consumo, a
qualquer empreendimento de distinção social e de agregação de classes.
Supõe um assimilação das obras a bens de
consumo culturais com a ajuda dos quais se organizam as afinidades, as relações
gregárias e os funcionamentos miméticos que autorizam o reconhecimento do
semelhante, quando não a expulsão do que não é frequentável, do indesejável.
Instrumento de dominação liberal, a cultura
circula nas redes frequentadas pelas mercadorias e pelos bens de consumo
habituais –têxtil ou electrodomésticos, agro-alimentar ou equipamento
automóvel.
Por isso se vê tanta patacoada de onde menos
se esperaria!
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