Lisboa é uma solidão povoada: uma cidade de
província é um deserto sem solidão.
Um provincial inteligente sofre ao mesmo
tempo por estar só e por ser visto. É filho de um Tal, sobre o passeio da rua
principal, leva sobre ele, se assim se pode dizer, todo o seu parentesco, as
suas relações, as suas heranças. Todos o vêm, o conhecem, o espiam; mas ele
está só (…).
A conversação é um prazer que a província
ignora. Reúnem-se para comer ou divertir-se, não para falar.
Essa ciência das donas de casa, em Lisboa,
para reunir pessoas que, sem ela, se fossem ignoradas, e que serão em dívida
pela felicidade de se terem conhecido, esta arte de dosear a ciência, o espírito, a graça, a glória, é
profundamente desconhecida da província… Em Portugal, tudo quanto não seja
Lisboa, é província… Diabos, Lisboa sempre é a capital!
Lisboa tem dentro de si a boa sociedade,
mesmo a provincial que não conte com idiotas: e uma importante cidade distrito
não poderia sentir a falha de homens de valor… Se, portanto, estas espécies de
reuniões que fazem a sociedade da vida em Lisboa, parecem impossíveis noutras
cidades, sendo a culpa dessa terrível lei da província: aceita-se apenas as
delicadezas que se pode ter. Este axioma mata a vida de sociedade e de
conversação.
Em Lisboa, as gentes do mundo que possuem
qualquer fortuna e um trem de cozinha, julgam que lhes cabe reunir seres da
elite, mas não da mesma elite. Ignoram
que a presença sob o seu tecto de homens de talento.
Os patriarcas, e fossem eles de sangue real, e
seus convidados, é uma troca onde cada um sabe bem que o homem de génio que
mostra o seu génio, o homem de espírito que mostra o seu espírito têm direito
a mais gratidão.
Assim recebidos e honrados, os artistas, os escritores de Lisboa não sentem essa
desconfiança dos “intelectuais” de província guindados, gulosos, hostis desde
que saem do seu buraco.
Na província, um homem inteligente, e mesmo
um homem superior, é devorado pela sua profissão. Os grandes espíritos escapam
sós a esse perigo.
Em Lisboa, a vida de relações defende-nos
contra a profissão. Um político sobrecarregado, um advogado célebre, um
cirurgião sabem relaxar para conversar e fumar num salão onde mantêm os seus
hábitos.
Um advogado provincial crer-se-ia perdido de
honra se o público pudesse supor que dispõe de uma noite: “Não disponho de uma
hora para mim..”, é o refrão dos provinciais: a sua especialidade corrói-os.
Província, guardiã dos mortos que adoravam os actuais “lisboetas”, se algum dia adoraram algo ou alguém.Na coqueluche de Lisboa, as suas vozes não chegam até nós; mas eis-te aqui subitamente, tu, pobre criança; nós temos seguido o teu percurso, tinhamo-nos sentado nesta cadeia e falávamos da morte.
Da morte de um país onde o caos nas ruas da
capital, o metro, as chamadas telefónicas, a tua orelha não se tinha apercebido
nunca; mas o que ouço à noite e até durante o dia, apagam os teus lamentos, e
os teus olhos abrem-se de espanto ao ouvires o canto do galo, o ladrar de
vários cães, e isso tudo, e mais nada, que enchia uma orelha viva como a tua,,
fazia-te respirar mal, evitando que sentisses o cheiro da resina queimada, o
riacho que passa, as folhas mortas.
Aqui, na tal província a vida tem gosto e sabor, sabor que provaste enquanto estavam ainda no mundo.
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