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domingo, 8 de setembro de 2013

«LISBOA E A PROVÍNCIA»

Lisboa é uma solidão povoada: uma cidade de província é um deserto sem solidão.

Um provincial inteligente sofre ao mesmo tempo por estar só e por ser visto. É filho de um Tal, sobre o passeio da rua principal, leva sobre ele, se assim se pode dizer, todo o seu parentesco, as suas relações, as suas heranças. Todos o vêm, o conhecem, o espiam; mas ele está só (…).

A conversação é um prazer que a província ignora. Reúnem-se para comer ou divertir-se, não para falar.

Essa ciência das donas de casa, em Lisboa, para reunir pessoas que, sem ela, se fossem ignoradas, e que serão em dívida pela felicidade de se terem conhecido, esta arte de dosear a ciência,  o espírito, a graça, a glória, é profundamente desconhecida da província… Em Portugal, tudo quanto não seja Lisboa, é província… Diabos, Lisboa sempre é a capital!

Lisboa tem dentro de si a boa sociedade, mesmo a provincial que não conte com idiotas: e uma importante cidade distrito não poderia sentir a falha de homens de valor… Se, portanto, estas espécies de reuniões que fazem a sociedade da vida em Lisboa, parecem impossíveis noutras cidades, sendo a culpa dessa terrível lei da província: aceita-se apenas as delicadezas que se pode ter. Este axioma mata a vida de sociedade e de conversação.

Em Lisboa, as gentes do mundo que possuem qualquer fortuna e um trem de cozinha, julgam que lhes cabe reunir seres da elite, mas não da mesma elite.  Ignoram que a presença sob o seu tecto de homens de talento.

Os patriarcas, e fossem eles de sangue real, e seus convidados, é uma troca onde cada um sabe bem que o homem de génio que mostra o seu génio, o homem de espírito que mostra o seu espírito têm direito a mais gratidão.

Assim recebidos e honrados, os artistas, os  escritores de Lisboa não sentem essa desconfiança dos “intelectuais” de província guindados, gulosos, hostis desde que saem do seu buraco.

Na província, um homem inteligente, e mesmo um homem superior, é devorado pela sua profissão. Os grandes espíritos escapam sós a esse perigo.

Em Lisboa, a vida de relações defende-nos contra a profissão. Um político sobrecarregado, um advogado célebre, um cirurgião sabem relaxar para conversar e fumar num salão onde mantêm os seus hábitos.

Um advogado provincial crer-se-ia perdido de honra se o público pudesse supor que dispõe de uma noite: “Não disponho de uma hora para mim..”, é o refrão dos provinciais: a sua especialidade corrói-os.

Província, guardiã dos mortos que adoravam os actuais “lisboetas”, se algum dia adoraram algo ou alguém.Na coqueluche de Lisboa, as suas vozes não chegam até nós; mas eis-te aqui subitamente, tu, pobre criança; nós temos seguido o teu percurso, tinhamo-nos sentado nesta cadeia e falávamos da morte.

Da morte de um país onde o caos nas ruas da capital, o metro, as chamadas telefónicas, a tua orelha não se tinha apercebido nunca; mas o que ouço à noite e até durante o dia, apagam os teus lamentos, e os teus olhos abrem-se de espanto ao ouvires o canto do galo, o ladrar de vários cães, e isso tudo, e mais nada, que enchia uma orelha viva como a tua,, fazia-te respirar mal, evitando que sentisses o cheiro da resina queimada, o riacho que passa, as folhas mortas.


Aqui, na tal província a vida tem gosto e sabor, sabor que provaste enquanto estavam ainda no mundo.

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