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segunda-feira, 30 de setembro de 2013

«ALGO MAIS MERECE SER RELATADO?»

O sentido começa a envelhecer. Não nos demoramos muito tempo perante um quadro cuja intenção é compreensível; a peça de música de natureza perceptível, com os contornos definidos, é algo que nos enfada; o poema demasiado claro, demasiado explícito parece-nos… incompreensível. O reino da evidência está a chegar ao fim: que verdade precisa valerá ainda a pena enunciar?

O que se pode comunicar não merece que nos detenhamos nele. Deduzir-se-á que apenas o “mistério” nos deve prender? Mas o mistério não é menos aborrecido do que a evidência. Quero dizer, o mistério pleno, tsal como foi concebido até ao nosso tempo.

O nosso, puramente formal, não passa de um expediente de espíritos desiludidos da clareza, de uma profundidade vazia, própria desta fase da arte, que já não engana ninguém e em que,  na política, na música, na pintura, somos contemporâneos de todos os estilos.

O ecletismo, se lesa a inspiração, alarga, em contrapartida, o nosso horizonte e permite-nos beneficiar de todas as tradições. Liberta o teórico, mas paralisa o criador, ao qual rasga perspectivas demasiado vastas; ora, uma obra constrói-se à margem ou na ausência do saber.

Se o artista de hoje se refugia no obscuro, é porque já não pode inovar com aquilo que sabe. A massa dos seus conhecimentos fez dele um glosador, um Aristarco desenganado.

Para salvaguardar a sua originalidade, resta-lhe somente a aventura no ininteligível. Renunciará, portanto, às evidências que uma época sabedora e estéril lhe inflige.

Supostos poetas e escritores, vêem-se diante de palavras, das quais nenhuma, na sua legítima acepção, se encontra carregada de futuro; se quiser torná-las viáveis, terão de quebrar o seu sentido, procurar a impropriedade..

Nas letras em geral, assistimos à capitulação do verbo, que, por estranho que pareça, se encontra ainda mais gasto que nós.

Sigamos, pois, a curva descendente da sua vitalidade, adequemo-nos ao seu grau de fadiga e de decrepitude, adoptemos o caminho da sua agonia.

Coisa curiosa: nunca o verbo foi tão livre; a sua demissão é o seu triunfo: emancipado do real e do vivido, permite-se enfim o luxo de não exprimir nada para além do equívoco do seu próprio jogo.


Esta agonia, este triunfo, far-se-iam sentir no género literário/político que tem vindo a ocupar-nos e a preocupar-nos.

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