Incomodou-me ouvir o
Presidente da República falar de agricultura e cultura, duas áreas que ele
ajudou a destruir. Parece que, segundo ele, o nosso futuro passa pela enxada e
pela guitarra
Eu faço parte da geração pós-25 de Abril. Ou
seja, não faço a mínima ideia do que será viver numa sociedade abafada pelo
autoritarismo e a falta de liberdade de expressão. O que sei chegou-me pela voz
de familiares que ao longo dos anos foram relatando aqueles tempos em conversas
à mesa.
Cresci
minimamente livre. Utilizei este adjectivo porque, verdadeiramente, não o somos
de forma total. Até as sociedades democráticas têm a suas regras e leis. O que
não é mau. Caso contrário seria uma confusão. Infelizmente, pelas
características da humanidade, por vezes há que abdicar de certas liberdades
individuais em prol do bem-estar comum. Sacrifícios aceitáveis…
Mas senti e
provei, ao longo da minha vida ainda curta, um pouco dessa herança “fascista”
(termo redutor mas esclarecedor). Em muitas coisas devo dizer. E neste contexto
há dois temas — directa e indirectamente — que se enquadram na perfeição e, ao
longo da semana, têm motivado várias notícias. Falo dos festejos do 10 de Junho
e da greve dos professores.
O 10 de
Junho ficou marcado por assobios e vaias aos mais altos dirigentes nacionais.
Nada de admirar. Não seria de esperar outra coisa. Mas incomodou-me ouvir o
Presidente da República falar de agricultura e cultura, duas áreas que ele
ajudou a destruir. Parece que, segundo ele, o nosso futuro passa pela enxada e
pela guitarra.
Além disso
parece que começa a ganhar tiques de líder ressabiado. Quem lhe levanta a voz
ou lhe chama um nome menos próprio leva com um processo judicial. Já vai no
segundo. Sendo quem é deveria estar preparado para isso e, acima de tudo, saber
ignorar. Mas não. Ignorar só mesmo a voz do povo e os deveres que jurou
cumprir. O importante é manter os seus amigos no poder à boa maneira antiga.
Depois temos
a tal da greve dos professores. Devo dizer que nunca entendi como é que esta
classe profissional deixa alguém como o Mário Nogueira à frente dos seus
destinos. O homem faz-me sentir náuseas. Incomoda-me. Deve ser do bigode… Mas
isto é apenas um detalhe.
Sobre os
professores devo dizer que respeito imenso a classe. Tenho até alguns
familiares que o são ou foram. Mas sejamos honestos: outra greve? Não deve
haver um ano em que eles não façam greve. A coisa está assim tão má? Olhando
para os que me são próximos parece que não. Mas a greve é um direito que
assiste a todos e há que o respeitar mesmo discordando.
Depois, e
por arrasto, temos a indignação dos pais. Mas agora é o fim do mundo por causa
dos exames? Eles fazem-nos quando tiverem de os fazer. Até deviam era estar
contentes. Têm mais uns dias para estudar e rever a matéria. Pelo menos era
assim que eu pensava no meu tempo.
Sabem, a
minha professora da primária não tinha um bigode como o do Mário Nogueira mas
andava lá perto. Usava uma régua de madeira para nos aquecer as mãos. Gostava
de nos esticar as orelhas. E tinha uma cana preta que chegava a qualquer lado
da sala. Vivia amedrontado com aquela mulher. Mas apesar de discordar dos seus
métodos até aprendi umas coisas. E durante a preparatória fomos considerados a
melhor turma em comportamento e aproveitamento. Há coisas estranhas e até é
caso para dizer que aqui o fascismo deu jeito.
Em tom de
conclusão e olhando para as notícias que li constato que muitas vezes se dá
demasiada atenção às coisas erradas. Faz-se mais alarido com uma greve destas
do que, por exemplo, quando se ficou a saber que há cursos a fecharem no ensino
superior e os financiamentos para as universidades a emagrecerem. Não devia ser
assim.
Em Portugal
devia-se olhar para exemplos como os da Turquia, onde há quem lute para manter
os seus direitos, ou da Grécia, com as pessoas a manifestarem-se contra o fecho
da ERT. Mas não. Aqui ignoram-se decisões do Tribunal Constitucional ou ouve-se
um presidente dizer barbaridades e ninguém faz nada. Ou as pessoas não querem
mesmo saber ou então os sofás portugueses devem ser muito confortáveis.
=Jorge Baldaia/Público Cultura=
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