Em Dezembro de 1992, o extinto semanário “O
Independente” fez um teste de rajada aos vários deputados à Assembleia da
República sobre o Tratado de Maastricht. A esmagadora maioria dos deputados
falhou miseravelmente, mas houve excepções: Rui Rio, José Sócrates e Pedro
Passos Coelho. Para o actual primeiro-ministro, na altura deputado e líder da
juventude laranja, a pergunta era simples: “Se os países membros da Comunidade
Europeia estiverem todos de acordo podem adiar ou renegociar o início da
terceira fase da União Económica e Monetária?”. Passos respondeu que sem
alterações até 1996 a terceira fase entraria em vigor irrevogavelmente em 1999.
Entre elogios à resposta, “O Independente” concordou: “Não tem retorno”.
A ratificação em 1992 do Tratado de Maastricht foi um
passo de gigante para a integração europeia, que abriu a porta à União
Económica Monetária, ou seja, ao euro. Apesar da importância do Tratado – que
mudava o quadro institucional – 9 dos então 12 países da Comunidade Europeia
não referendaram o tratado. As excepções foram Dinamarca (que votou “não”,
tendo mais tarde ficado fora do euro), França e Irlanda (que votaram sim).
“O ambiente externo e interno era de tal grau de
optimismo europeu que as vozes que pediam referendo e mais debate eram abafadas
na discussão”, relembra o histórico socialista Medeiros Ferreira, que na altura
foi a favor do referendo. O optimismo de fundo vivia aliado a um receio
conjuntural (a Europa enfrentava uma crise económica) e às tensões que puseram
em causa o Sistema Monetário Europeu, antecâmara do euro. Já Portugal vinha do
melhor ciclo de crescimento da breve experiência com a democracia. “Em
Portugal, um referendo teria dado uma força negocial maior ao país na Europa e
a população teria ficado mais esclarecida e comprometida com o projeto
europeu”, diz Medeiros Ferreira.
A ausência de consulta popular ao longo do processo de
integração europeia é um dos problemas apontados pelos críticos do euro e da
União Europeia, que realçam o distanciamento enorme entre a liderança política
e os eleitores europeus. Tal distanciamento dificulta as respostas políticas à
crise que hoje ameaça o euro, a tal ponto que um dos pilares do plano de ataque
europeu é o reforço da “legitimidade” do processo de integração. A maioria
PSD/CDS já admitiu que Portugal terá que realizar um referendo num futuro por
determinar.
Em 1992, contudo, a postura do PSD – e do PS – eram
muito diferentes. “Se Portugal promovesse o referendo perderia 75% do seu poder
negocial junto da Comunidade Europeia”, quantificava cientificamente em Junho o
primeiro-ministro Cavaco Silva. A credibilidade era um argumento central usado
por Cavaco, que tinha fundos de coesão por negociar (o chamado pacote Delors
II) e a primeira presidência rotativa da Comunidade Europeia nas mãos. “O
referendo tornaria Portugal um país imprevisível”, afirmou Cavaco ao
“Expresso”.
O governo e o PSD de Cavaco tinham o apoio do PS de
António Guterres. Além da credibilidade e da dificuldade em usar o referendo –
um instrumento na altura muito fresco na Constituição Portuguesa – o bloco
central usava outro argumento: a ignorância dos portugueses.
“A população pode não compreender plenamente contra o
que ou a favor está a votar”, explicava então o deputado laranja Duarte Lima,
repetindo o socialista Almeida Santos. Uma fonte anónima laranja revelava ao
“Expresso” a sua oposição a “referendar determinadas matérias, muito complexas,
em que 80% das pessoas não têm consciência do que estão a votar”. O “nej” dinamarquês
também serviu de arma. “O resultado do referendo dinamarquês veio colocar
problemas de tal modo sérios que a conclusão a tirar é a de que pela via
referendária não se constrói a União Europeia”, avisava Almeida Santos. A
“construção” precisava de “sim” sem perguntas.
As sondagens mostram que a maioria dos portugueses –
entre 64% e 75% – queria ser consultada sobre Maastricht. As projecções indicam
sempre uma vitória do “sim”, mas revelam que a maior parte das pessoas (mais de
50%) não conhecia os aspectos gerais do Tratado. O mesmo sugere o trabalho do
Independente no dia da ratificação do Tratado na Assembleia da República –
houve deputados a dizer que os interesses de Portugal na “nova Europa” seriam
tratados pelo comissário europeu português.
Politicamente a pressão a favor do referendo foi feita
pelo CDS de Manuel Monteiro (o PCP era contra o Tratado). Monteiro chegou a ter
problemas com o líder do Partido Popular Europeu, a sua família política
europeia, que veio a Lisboa puxar-lhe as orelhas. O combate foi, ainda, travado
por vários intelectuais e juristas à esquerda e à direita, como António
Barreto, Marcelo Rebelo de Sousa, Pacheco Pereira, Vasco Pulido Valente, Vital
Moreira ou Jorge Miranda.
Mas o “detractor de serviço de Maastricht”, como lhe chamou
o “Expresso”, era um jovem chamado Paulo Portas, director do “O Independente”.
Em Junho de 92, com 29 anos, o actual Ministro dos Negócios Estrangeiros
regojizava-se com o “não” da Dinamarca (“Eu sou um dinamarquês”) e avisava para
o perigo que viria da capital que hoje controla a Europa: Berlim. “A Alemanha
voltou e trouxe com ela o carácter inevitavelmente perigoso da sua
superioridade. (...) O mais que a Comunidade podia fazer era parar para pensar
nas novas circunstâncias. (…) Parar, a ver como se garante a liberdade dos
Estados perante a potência Berlim”, escreveu Portas.
No final, o Tratado foi ratificado por PSD e PS, sem
referendo e sem interesse por parte da maioria dos portugueses. Pedro Lains,
historiador económico, considera que não realizar o referendo foi uma boa
decisão. “Portugal era uma democracia recente e a adesão à Comunidade Europeia
era recente, não tinha muita margem de negociação”, afirma. O problema,
argumenta Lains, é que na ratificação de Maastricht ninguém estava a prever como
seria dado o passo seguinte – a União Económica e Monetária. “Maastricht abriu
a porta para o euro – e depois o euro não foi bem construído”.
=Jornal i=
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