A solicitação da igualdade caracterizou a
Revolução Francesa que, gosto recordá-lo, forneceu o guarda-jóias histórico no
qual apareceu pela primeira vez a bandeira preta, com a qual simpatizo, e que
flutuou sobre as torres de Notre-Dame no dia 9 de Março de 1793 o que, como
ensaio, era um golpe certeiro.
Parece-me que a fraternidade dispôs também,
para se estender como um estandarte, do espaço de um século que vai dos dias de
1848-1830 é um caso à parte – até 1936, passando por 1871 e pela Comuna. 1789
permitiu o advento da democracia e do cidadão nos seus princípios, o segundo
período possibilita o advento do socialismo e do trabalhador.
Sobre esta figura singular só vejo o estudo
de Junger, que fez do Trabalhador a circunstância de uma sociedade e de um
mundo, nos quais a economia e o destino significam a mesma coisa. Esta nova
figura está dotada do poder de se representar a si mesma e, par si próprias,
como um todo.
Longe dos burgueses, cujo estatuto os
incapacita de apreender alguma coisa que não sejam partes, nunca conseguindo
apreender o que faz a totalidade e o essencial de uma globalidade, o
trabalhador apreende-se a si mesmo no registo de uma força actuante, de uma
entidade do trabalho que se descobre na, pela e para a acção.
A força e a potência e, depois, a postura, o
tipo de carácter, instalam-no como alternativa ao mundo em que surge.
O trabalhador mobiliza o mundo no registo
exclusivo da técnica, que é menos o meio para chegar aos fins radiosos ou às
satisfações terrestres, materiais e triviais, do que a ocasião para determinar
uma nova classe, uma categoria a que Junger chama “raça”.
Perante os esgotamentos, as percas de energia
das civilizações, o trabalhador torna-se reivindicação categórica de uma nova
vitalidade, solicitando a planetarização do domínio que exerce. Este domínio,
manifesto no mundo do trabalho, tomará um impulso generalizado que fará cair as
barreiras nacionais em benefício de um Estado universal.
A Revolução Francesa permite ´mística de
esquerda de se encarnar numa força reactiva relativamente ao feudalismo; o século
de Marx e de Proudhon fornece a possibilidade, para a dita mística, de reagir à
industrialização.
Se a igualdade foi a resposta que deu 1789 à
necessidade de ultrapassar o mundo feudal, foi a fraternidade que surgiu como
ilustração do Aufhebung – ultrapassagem-conservação-do mundo industrial.
Daí as contracções, as forças, as energias,
os transbordos, as potências e as vitalidades de 1830, 1848, 1871, e de 1936 –
que me perdoarão de incluir numa episteme que diz respeito ao século XIX.
Todos esses períodos estão assombrados pela
definição de um lugar, de um estatuto, a conceder ao trabalhador.
De modo que as respostas teóricas que
irrompem e que são diversas podem ser todas agrupadas sob a rubrica e o registo
do socialismo.
O socialismo português, pagado e silencioso,
é menosprezado devido recuperação teutónica e à respectiva formulação germânica
de que foi objecto.
Lamentavelmente, há ainda muito a fazer para
que entre nós o socialismo se defina a si próprio rapidamente, pois tal como se
mostra hoje, não passa de algo muito lastimável.
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