Compreendo mal a sua ambição de fazer de uma
época em que o epígono é de preceito. Impõe-se aqui uma comparação.
Napoleão teve, no plano filosófico, rivais
que o igualaram: Hegel pela desmesura do seu sistema, Byron pela sua irregularidade,
Goethe por uma mediocridade sem precedentes.
Nos nossos dias, seria em vão que partiríamos à
procura dos equivalentes aventureiros, dos tiranos deste século que se
auto-proclamam “democratas”.
Se, politicamente, demos provas de uma
demência antes de nós desconhecida, no domínio do espírito revolvem-se apenas
pequenos destinos; nenhum conquistador da pena; nda para além de abortos, de
histéricos, casos sem mais nada.
Nõ temos nem teremos nunca, receio, a obra da
nossa decadência, um D. Quixote no Inferno. Quanto mais os tempos se dilatam,
mais delgada se torn a literatura. E é como pigmeus que nos precipitamos no
inaudito.
É mais do que evidente que precisaremos, para
revigorarmos as nossas ilusões estéticas, de uma ascese de alguns séculos, de
uma provação de mutismo, de uma era não-filosófica.
De momento, resta-nos corromper todos os
géneros, impeli-los para extremos que os neguem, desfazer o que foi feito. Se,
em tal empreendimento, pusermos algum escrúpulo de perfeição, talvez consigamos
criar um tipo novo de vandalismo político-social.
Colocados à margem, incapazes de harmonizarmos as
nossas derrotas, já não nos definimos por referência à Grécia: ela deixou de
ser o nosso ponto de orientação, nossa
nostalgia ou o nosso remorso; apagou-se em nós, como também aconteceu com o
Renascimento.
De Hölderlin e Keats a Walter Pater, o século
XIX sabia lutar contra s suas opacidades e opor-lhes a imagem de um antiguidade
mirífica, cura de luz, paraíso.
Paraíso forjado, não seria necessário dizê-lo.
O que conta é que se aspirava ele, que
mais não fosse para se combater a modernidade e os seus esgares.
Era possível escolher outra época e cingi-l
com toda a violência da saudade. O passado ainda funcionava.
Nós já não temos passado; ou antes, já nada há
no passado que seja nosso; j´não há país de eleição, salvação enganadora,
refúgio naquilo que foi.
As nossas perspectivas? Impossível
decifrá-las; somos bárbaros sem futuro e, como a expressão já não possui a
envergadura necessária para se medir com os acontecimentos, deveria caber-nos
ter orgulho no que fizeram nossos pais e avós, sabendo exigir respeito por quem
pensa ser dono de todos nós, antes que
entremos numa época de formas estilhaçadas, de criação às avessas, na qual
qualquer um poderá prosperar nesse e noutros domínios, desde que alinhem com a
barbárie hoje em moda.
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