Comecemos pela conclusão: foi o Estado que
perdeu. Os contribuintes pagaram o que não deviam, por obras e serviços mal
negociados. Houve pressões - da banca e políticas - cláusulas estranhas e
muitas renegociações ainda mais prejudiciais que os acordos
A tinta do relatório preliminar ainda está
fresca. Mas mal deu entrada no Parlamento, todos perceberam que a aprovação do
trabalho do deputado Sérgio Azevedo, do PSD, está longe de ser unânime na
comissão parlamentar que investiga as parcerias público-privado (PPP),
rodoviárias e ferroviárias. Pelo contrário...
A Comissão Parlamentar de Inquérito à
Contratualização, Renegociação e Gestão de todas as Parcerias Público-Privadas
do Setor Rodoviário e Ferroviário - é este o seu título - foi criada, há mais
de um ano, em 24 de abril de 2012, e já nasceu envolta em polémica. A maioria
(PSD-CDS) não aceitou investigar, igualmente, outras PPP, na área da saúde ou
da segurança, por exemplo. A lista de testemunhas também não foi
pacífica. E o resultado, já se esperava. As conclusões podem vir a
ser aprovadas apenas com o voto dos partidos que integram o Governo. À
esquerda, o PS, que é o principal visado no relatório preliminar, já manifestou
a sua discordância do texto, que revela, na opinião do deputado Rui Paulo Figueiredo,
"uma banalidade confrangedora". "Não estamos disponíveis
para colaborar em encenações políticas que só se destinam a branquear este
Governo e a criar cortinas de fumo", prosseguiu o socialista. Mas também o
PCP, através de Bruno Dias, acusa o relatório de ser apenas "a visão do
PSD" sobre as PPP. E Pedro Filipe Soares, do BE, critica a
"falta de abrangência" do documento conhecido na terça-feira,
18.
A parte polémica do relatório é a
culpabilização, quase exclusiva, dos últimos governos socialistas, liderados
por José Sócrates, pelo crescimento da fatura das PPP nas contas do Estado. E
também, a sugestão, nas conclusões, de "que os responsáveis políticos à
época devem ser chamados a assumir as suas responsabilidades, assim como a
administração da EP, através da ação das entidades competentes". Como o
caso está, em paralelo, a ser alvo de uma investigação judicial, no DCIAP, a
leitura deste ponto 146 das conclusões do relatório preliminar aponta para uma
espécie de "testemunho acusatório" contra Mário Lino, Paulo Campos,
António Mendonça, Teixeira dos Santos e Costa Pina, os ex-governantes nomeados
pelo relator (além do responsável pela Estradas de Portugal, Almerindo
Marques). Aliás, a Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária
solicitou à comissão parlamentar o envio das gravações das audições no
Parlamento. Mas nem a Justiça, nem o Parlamento, sabem ainda como terminará
esta história, que teve início em 1995, com a celebração da primeira PPP: a da
Ponte Vasco da Gama, que é apontada, ainda hoje, no relatório de Sérgio
Azevedo, como "um dos piores exemplos". Desde então, houve um
pouco de tudo.
Como enganar o Estado
A União Europeia passou a "patrocinar"
esta forma de endividamento "encoberto", como referiu no inquérito o
professor do Técnico, Carlos Oliveira Cruz: "A Comissão Europeia e o
Eurostat cometeram um erro gigantesco, que foi o de não considerar isto dívida
pública, o de não consolidar isto naquilo que era a despesa do Estado."
Com a porta escancarada, os governos olharam para as PPP como uma forma de
"desorçamentação", salienta o relatório. Avelino de Jesus, professor
do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), vê aqui o primeiro
"pecado": "Este tipo de contratações não deixa de ter como base
a necessidade que os poderes políticos têm de fazer obra sem se
endividarem."O segundo erro foi a incapacidade do Estado para lidar com
contratos complexos e parceiros privados dotados de equipas de especialistas.
Carlos Moreno, juiz jubilado do Tribunal de Contas, garantiu no Parlamento que
isso é comum a todos os contratos de PPP: "Notámos um défice de capacidade
de gestão, de monitorização e de fiscalização dos contratos de PPP e ausência
de controlo integrado por parte do setor público." E foi essa a razão pela
qual muitos dos "erros" surgiram.
O Metro Sul do Tejo é um caso exemplar. O contrato de
concessão foi assinado em 30 de julho de 2002. O início da exploração, em 27 de
novembro de 2008. Nesses seis anos, ocuparam a tutela oito ministros, três
secretários de Estado e três encarregados de Missão. Havia ainda dois autarcas
envolvidos, de partidos diferentes. O Estado contribuiu com 284 milhões de
euros, "ou seja, cerca de 84% do investimento total da concessão". O
consórcio privado (Barraqueiro, Siemens e Teixeira Duarte) facultou 16% do
investimento. Mas "sem capitais próprios", ou seja, exclusivamente com
financiamento bancário. Como nota Braamcamp Sobral, à época, responsável da
Refer, "para este tipo de projetos ser bancável, os bancos fizeram due
diligence aos próprios estudos". Ou seja, todos os problemas que vieram,
mais tarde, a onerar o Estado e a financiar as operadoras, podiam não ser do
conhecimento dos responsáveis políticos, mas seriam, seguramente, conhecidos
pelos financiadores. Resultado: O custo médio pago pelo Estado por passageiro é
de €0,28, no Metro Sul do Tejo, e de apenas €0,03, no de Lisboa. As
renegociações acabaram sempre por prejudicar o Estado. Numa, em 2002, efetuada
por Manuela Ferreira Leite, enquanto ministra das Finanças, os contribuintes
portugueses passaram a indemnizar a concessionária pelos passageiros que viajam
de "borla". E apenas em despesas de consultoria, o Estado pagou
225 mil euros. No total, só aqui, já se gastaram 384 milhões. À conta das
"divergências" entre os governos e a autarca comunista de Almada, o
relatório fala de um acréscimo de 77 milhões nos custos da obra.
=Visão=
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