A expressão “Antigo Regime” e a ideia que ela
traduz têm um conteúdo marcadamente histórico, visto que, como o adjectivo “antigo”
indica, se referem a um determinado período, o mesmo tempo que esse mesmo
vocábulo situa a referência em relação
outra época anterior.
Esta dupla articulação histórica é necessária
para compreendermos o que é o Antigo Regime, que aliás sofreu uma inevitável
evolução desde os tempos em que surgiu, digamos pouco mis ou menos por meados
do século XVIII.
Criado no segundo quartel do século
Setecentos em França, o “Ancien Régime” viria a ser popularizado como expressão
sugestiva e rica de conteúdo com o livro de A. Tocqueville, “L’Ancien Régime et
la Revolution”, que apareceu em 1856.. Forjad no aceso da luta política,
económic, social e ideológica que a burguesi ascendente travava contr a
sociedade feudal, dominad pela aristocracia, não admira que a designação
tivesse um cunho claramente depreciativo e crítico.
Foi nestas condições que o conceito e seu
significante surgiram em Portugal. Todavia, a referência conceitual viria a alterar-se
nos tempos contemporâneos, sendo claramente apropriada pelos círculos a que
podemos chamar “eruditos”.
Transformação que se explica porque, por um
lado, a utilização das referências do Antigo Regime como um das armas da luta
política e ideológica contra a aristocracia deixou de ter razão de ser com a sua
derrota histórica definitiva. Por outro lado, a sua apropriação pela historiografia
e outras interpretações sociais contemporâneas, perdendo por isso a sua conotação
depreciativa, foi adoptada por razões várias; poderá tlvez destacar-se que
constituiu uma expressão cómoda para assinalar um vasta época histórica já volvida
– embora nem sempre com precisão, mesmo cronológico-temporal – ao passo que
talvez permita fugir ao choque interpretativo entre correntes historiográficas
acerca das características teóricas das sociedades do Antigo Regime (como
acontece, por exemplo, com a caracterização como sociedades “feudais” ou
sociedades “senhoriais”).
Uma proposta de precisão do campo histórico
de vigência do Antigo Regime no nosso país (apoiada naturalmente na sua
caracterização essencial) defende que se tipifica politicamente pela existência
da monarquia absoluta e no aspecto das estruturas sociais básicas pela sua divisão em três estados ou ordens: o
clero, a nobreza e o povo; teria assim começado no século XV e terminado nos
fins do século XIX.
Fenómeno histórico múltiplo, não pode caber
aqui considerar as suas vastíssimas dimensões, por vezes até insuspeitadas; como
escreveu um historiador inglês contemporâneo, “como consequência da Revolução
Francesa [termo do ‘Ancien Régime? Em França],
a era de Balzac substituiu a era de Madame Dubarry […]” {E. J.
Hobsbawm).
Nestas condições, sobre uma rica
transformação histórica ao longo dos séculos, desde a autonomização do
território portucalense, cerca de meados do século XVII, pode dizer-se que até
ao século passado subsistiram certos processos básicos que permitiriam apontar
os cimentos das características gerais do Antigo Regime, e que neste início do
século XXI parecem pretender recuperar certos tiques setecentistas.
Nestas condições, quais os traços específicos
basilares do Antigo Regime, tais como os podemos diagnosticar na recta final da
sua existência em Portugal? O primeiro consiste na existência de um grupo
social controlando terra e outros meios
de produção fixos, cujos utilizadores são obrigatoriamente compelidos a entregar
uma dada parcela da produção obtida, através do salário e ou pensões: na
circulação de produtos e na utilização para consumo dos meios naturais; assim
sucedia também com os terrenos para construção urbana, que deveriam pagar em
géneros, mas essencialmente em dinheiro ganho honestamente.
Estamos a regressar a um passado
inexoravelmente ultrapassado. Alguém duvida?
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