Fenómeno social de múltiplas origens, a
mendicidade ou indigência permite traçar, pelos contornos que delimita e pelas
relações que estabelece, a progressão do desenvolvimento económico do país e
suas descontinuidades e, ainda, em termos de mentalidade, necessariamente
ambivalente, porque reflexo do posicionamento diferenciado da sociedade e dos
grupos resistentes `socialização, os movimentos oscilatórios e os conteúdos éticos
que presidiram ao complexo histórico-geográfico português.
Associada a fomes, pestes, calamidades naturais,
guerras, miséria, doença, desemprego, parasitismo, o quadro em que se move a
mendicidade ou indigência é o de uma sociedade dilacerada, sobretudo durante o
Antigo Regime, pelas suas contradições, numa assumpção imperfeita e imobilista do
seu devir histórico ultramarino e das virtuais potencialidades que o mesmo oferecia.
Notemos, porém, que se as condições se
agravam no sentido do alastramento da mendicidade a partir do século XV, de que
são exemplo as múltiplas medidas legislativas repressivas, sinónimo, em última
instância, não só da sua continuidade como de uma ineficácia no controlo de uma
realidade de implicações profundas, tal não supõe a sua inocuidade em períodos
anteriores.
Desde a crise de meados do século XIV, cuja
amplitude desenhou os contornos de uma vaga de fundo de conflitos sociais, se
sucederiam as referências indicadoras do aumento da mendicidade, reportáveis,
pelo seu carácter sistematizante, Lei das Sesmarias de 1375. Esta, estipulava,
entre outros articulados, a prisão dos
mendigos pelos juízes dos lugares, a compulsão o trabalho por justa soldada,
sempre que a sua idade e saúde o permitissem e mesmo que mendigassem em traje
de eremitão ou se intitulassem, não o provando, escudeiros ou servidores.
Como sanções, a recusa ao trabalho doméstico,
agrícola ou artesanal determinaria a aplicação de açoites e, na sua
reincidência a expulsão do Reino, por considerar o monarca que, na sua
essência, confluíam e predominavam a ociosidade e a vagabundagem.
Mais tarde e já sob a administração
pombalina, o Decreto de 4 de Novembro de 1755 imputava aos corregedores e
juízes criminais responsabilidade do apuramento da profissão de todos os
moradores dos respectivos bairros, por forma a destrinçar os casos de
mendicidade e vagabundagem, inculpando, já que considerados como potenciais
criminosos de primeira grandeza, os assinalados contraventores.
Mais tarde ainda e no tempo da ditadura,
continuava a perseguir-se a mendicidade, chegando a afirmar-se que só não
trabalhava quem não queria fazê-lo, mesmo apesar da idade ou de doença
impeditiva de o fazerem, chegando a ser internados nos albergues distritais de
mendicidade, considerados indigentes e podendo mesmo ser detidos e enviados
para colónias penais.
Actualmente, a mendicidade e a indigência,
devido às políticas vigentes, é ou são o prato do dia, pois quase desapareceram
os empregos que, no entanto, quando os há, são para amigos e filhos de amigos
dos políticos dominantes no actual regime.
Mudam os tempos, mudam as vontades, mas
abençoa-se o neoliberalismo, a globalização económica e o povo vive, ou
sobrevive graças a esmolas que vi recebendo de certas almas generosas que
sofrem com o seu sofrimento.
Há poucos anos ainda, havia mesmo cartões de
indigentes, com palavra em destaque, não
demorando muito tempo a que regressem, graças às desastrosas políticas sociais
actualmente praticadas.
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