Desde criança que via, de tempos a tempos, em
certos locais, hoje de tal maneira modificados que já nem parecem os mesmos,
que alteraram de tal modo a cidade do Porto que nem parece a mesma.
Nós, os mais novos, tratávamos todos por “palhaços”
que nos faziam rir, e que se faziam acompanhar por animais, como cães, macacos,
aves e até cabras.
Entre eles havia também crianças que não
podiam frequentar a escola, uma vez que levavam uma vida de nómadas, ora aqui, ora
ali desde o norte ao sul do país.
Montavam os seus “estaminés” e eram a delícia
da criançada, mas tmbém alguns adultos ficavam a vê-los, numa espécie de circo
montado num daqueles cantos onde hoje existem altos prédios e estabelecimentos
comerciais.
Par se poder compreender como aprendiam
aquelas crianças toda aquela ginástica, é porque seus pais tinham sido artistas
de circo, tinham tido um acidente que os impedia de continuarem, ensinando os
filhos a fazerem todas aquelas piruetas que nos maravilhavam.
É evidente que ainda não existiam serviços
assistenciais que lhes proporcionassem a reforma por invalidez.
Alguns deles deslocavam-se em pequenas
camionetas que compravam e iam pagando
conforme podiam, para poderem deslocar-se de terra em terra pelo país.
Quando terminavam o “espectáculo”, tentavam
vender por cinco tostões, meio escudo ou uma coroa um panfleto recheado de
versos populares que mais tarde as mulheres entoavam quando se deslocavam aos
tanques públicos para lavarem a roupa delas ou de quem lhes pagava para o
fazerem.
Existia um forte analfabetismo e um taxa de
fome e de miséria que nada ficavam a dever às dos dias de hoje, podendo ver-se
nos arredores da cidade, que hoje são
parte integrante dela, crianças a trabalhar duramente e velhos que tomavam a
soga ou a rabiça do arado, puxado por uma junta de bois, e que ali passavam o
dia, com uma cesta com a comida, juntamente com um garrafão de vinho, única bebida de crianças e
velhos.
As criaanças ficavam embrutecidas pelo álcool,
os velhos limitavam-se a continuar esse embrutecimento para o qual já não havia
cura alguma, produzindo todavia muitos dos produtos alimentares, a troco de
cinco escudos por dia, e um escudo cada criança.
Era uma outra forma de circo, que evitava que
as crianças se desenvolvessem física e intelectualmente e, curiosamente,
o velho ditador apercebeu-se da
tragédia futura da nação.
Assim, fez uma lei que obrigava à
escolaridade obrigatória do ensino primário, mesmo para os “Palhaços, Robertos ou
Saltimbancos”, prevendo a aplicação de pesadas multas se não frequentassem a
escola, levando “certificados” para comprovarem que seus filhos tinham ido às aulas
de terra em terra, nem que fosse apenas por dois dias.
Um dia, meti conversa com um dessas crianças perguntando-lhe
se era feliz com a vida que levava. Disse-me que não, que queria aprender e ser
mecânico ou serralheiro, e foi-o, porque eu podia gabar-me de ter um pai
fenomenal.
Quando lhe contei o sonho do meu amigo, foi
falar com os pais dele e o que é certo é que no dia seguinte, depois de tomar
banho e de vestir umas roupas minhas, foi para uma oficina como aprendiz.
Li ficou, comendo e dormindo lá em casa e
tanta vontade tinha que rapidamente aprendeu a arte de mecânico; nenhum
automóvel tinha segredos para ele, pelo que o patrão o promoveu e lhe ofereceu
um salário condigno, se bem que baixo, embora naqueles tempos já houvesse
adultos que ganhavam menos.
Uns anos mais tarde e quando já vivia num
quarto que alugara não longe de minha casa, o patrão decidiu torná-lo seu
sócio, uma vez que tinha duas filhas que não podiam dar continuidade à oficina,
e como se tinha tornado num homem, casou
com uma delas, a mais nova.
A oficina ainda existe e com os seus dois
filhos à frente dela, sempre dispostos a reverem o meu carro, o que evito, pois
não cobram o seu trabalho.
Se nem todos podem ser doutores, podem
desempenhar outras funções e serem úteis à sociedade e a eles próprios, fazendo
aquilo que gostam de fazer. E, se é mais que necessário combater a vadiagem, só
o trabalho o pode fazer.
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