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segunda-feira, 10 de junho de 2013

«PALHAÇOS, ROBERTOS E SALTIMBANCOS»

Desde criança que via, de tempos a tempos, em certos locais, hoje de tal maneira modificados que já nem parecem os mesmos, que alteraram de tal modo a cidade do Porto que nem parece a mesma.

Nós, os mais novos, tratávamos todos por “palhaços” que nos faziam rir, e que se faziam acompanhar por animais, como cães, macacos, aves e até cabras.

Entre eles havia também crianças que não podiam frequentar a escola, uma vez que levavam uma vida de nómadas, ora aqui, ora ali desde o norte ao sul do país.

Montavam os seus “estaminés” e eram a delícia da criançada, mas tmbém alguns adultos ficavam a vê-los, numa espécie de circo montado num daqueles cantos onde hoje existem altos prédios e estabelecimentos comerciais.

Par se poder compreender como aprendiam aquelas crianças toda aquela ginástica, é porque seus pais tinham sido artistas de circo, tinham tido um acidente que os impedia de continuarem, ensinando os filhos a fazerem todas aquelas piruetas que nos maravilhavam.

É evidente que ainda não existiam serviços assistenciais que lhes proporcionassem a reforma por invalidez.

Alguns deles deslocavam-se em pequenas camionetas que compravam  e iam pagando conforme podiam, para poderem deslocar-se de terra em terra pelo país.

Quando terminavam o “espectáculo”, tentavam vender por cinco tostões, meio escudo ou uma coroa um panfleto recheado de versos populares que mais tarde as mulheres entoavam quando se deslocavam aos tanques públicos para lavarem a roupa delas ou de quem lhes pagava para o fazerem.

Existia um forte analfabetismo e um taxa de fome e de miséria que nada ficavam a dever às dos dias de hoje, podendo ver-se nos arredores da cidade,  que hoje são parte integrante dela, crianças a trabalhar duramente e velhos que tomavam a soga ou a rabiça do arado, puxado por uma junta de bois, e que ali passavam o dia, com uma cesta com a comida, juntamente com um  garrafão de vinho, única bebida de crianças e velhos.

As criaanças ficavam embrutecidas pelo álcool, os velhos limitavam-se a continuar esse embrutecimento para o qual já não havia cura alguma, produzindo todavia muitos dos produtos alimentares, a troco de cinco escudos por dia, e um escudo cada criança.

Era uma outra forma de circo, que evitava que as crianças se desenvolvessem física e intelectualmente e, curiosamente, o  velho ditador apercebeu-se da tragédia futura da nação.

Assim, fez uma lei que obrigava à escolaridade obrigatória do ensino primário, mesmo para os “Palhaços, Robertos ou Saltimbancos”, prevendo a aplicação de pesadas multas se não frequentassem a escola, levando “certificados” para comprovarem que seus filhos tinham ido às aulas de terra em terra, nem que fosse apenas por dois dias.

Um dia, meti conversa com um dessas crianças perguntando-lhe se era feliz com a vida que levava. Disse-me que não, que queria aprender e ser mecânico ou serralheiro, e foi-o, porque eu podia gabar-me de ter um pai fenomenal.

Quando lhe contei o sonho do meu amigo, foi falar com os pais dele e o que é certo é que no dia seguinte, depois de tomar banho e de vestir umas roupas minhas, foi para uma oficina como aprendiz.

Li ficou, comendo e dormindo lá em casa e tanta vontade tinha que rapidamente aprendeu a arte de mecânico; nenhum automóvel tinha segredos para ele, pelo que o patrão o promoveu e lhe ofereceu um salário condigno, se bem que baixo, embora naqueles tempos já houvesse adultos que ganhavam menos.

Uns anos mais tarde e quando já vivia num quarto que alugara não longe de minha casa, o patrão decidiu torná-lo seu sócio, uma vez que tinha duas filhas que não podiam dar continuidade à oficina, e como se tinha tornado num  homem, casou com uma delas, a mais nova.

A oficina ainda existe e com os seus dois filhos à frente dela, sempre dispostos a reverem o meu carro, o que evito, pois não cobram o seu trabalho.


Se nem todos podem ser doutores, podem desempenhar outras funções e serem úteis à sociedade e a eles próprios, fazendo aquilo que gostam de fazer. E, se é mais que necessário combater a vadiagem, só o trabalho o pode fazer.

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