É um dos traços da vida política portuguesa
que a frequência com a qual se fazem e desfazem os governos. Pode
lamentar-se esta instabilidade: pelo
menos ela testemunha de uma rara independência do Parlamento em relação ao
executivo… E o que é curioso é que os deputados, eleitos pelo povo, em vez de o
defenderem e de aprovarem leis que lesem gravemente a cidadania, limitam-se a
dar apoio aos projectos de leis apresentados pelos governantes, adulando o ou
os ministros que “fabricaram” certas leis que são verdadeiras aberrações.
A formação de um novo ministério não é sempre
coisa fácil e supõe uma rte subtil de dosagem. Eis um exemplo acerca da empresa
de transformar um candidato aos Negócios Estrangeiros num simples ministro do Trabalho…
(Qualquer coincidência com nomes ou frases é
mero e puro acaso, não devendo, portanto, ser feita qualquer comparação com o
que actualmente se passa ou se passou aquando da criação da actual “santa
coligação”.)
Um pouco antes das sete horas da tarde, um estafeta
leva ao senhor Paulo qualquer coisa uma convocatória do senhor Pedro, pois
pretendia confiar-lhe o cuidado de formar um novo ministério.
Dizia o seguinte, como se pode verificar em
termos muito corteses: “Se não vos incomoda passar pelo meu gabinete, terei
todo o prazer de dar uma saltada até sua casa. Mas, como estou bastante ocupado,
seria muita gentileza a sua se viesse, De imediato pensei em si, como alguns
amigos meus, que o são também seus. O seu nome só sabe levantar simpatias. Sabe
que formo um ministério claramente de direita. Tenho já várias promessas para
as finanças. Posso inscrevê-lo na minha lista?
Paulo leu a mensagem atentamente e, como
tinha o estafeta, que era um dos motoristas do gabinete do senhor Pedro,
decidiu aceder ao convite; fez sinal ao motorista, foi buscar o casaco,
meteram-se no elevador, entraram no carro que era um topo de gama cinzento
metalizado e foi falar com o senhor Pedro.
Chegados ao gabinete do seu possível líder
ministerial, caso aceitasse o convite, após os cumprimentos da praxe, foi
convidado a sentar-se e a dizer o que pensava da proposta/convite que lhe
enviar, disse:
“No que respeita tendência, não terei qualquer objecção; com
efeito, resta saber qual a pasta que pretende e pode oferecer-me.
«Claro, evidentemente… mas é você quem conta,
mais que a pasta, não é verdade?... a sua pessoa… tudo o que representa… tudo
farei para reservar o Trabalho.»
O senhor Paulo sorriu enfastiado:
“J´em tempos recusei o Trabalho quando mo
ofereceram. Não penso aceitá-lo hoje.”
«Ah! Não sabia… desculpe-me… perturba as
minhas ideias… Mas… tudo se arranjará de qualquer maneira. Será que posso
propor-lhe a Agricultura, a Lavoura, como dizia há meses atrás?»
O senhor Paulo sorriu sem se dar a pena de
responder.
«Então, estou um tanto embaraçado… aceitaria
o quê..?»
“Os Negócios.”
Esta decisão foi dita em tom de ultimato. O
senhor Pedro mostrou um ar cordialmente desesperado.
«Os Negócios!... Mas prometi-os já alguém, que aliás é um dos eixos da minha
combinação!... Poderia arriscar, com extremo rigor, seriam as colónias se ainda
fossem nossas... mas os Negócios..?...»
O senhor Pedro observou-o atentamente com olhar
ácido, o mesmo tempo que lhe dizia que se alguém o convocou para aquele
encontro tinha sido o senhor Pedro e que se pretendia o seu concurso deveria
ser ele a estudar o assunto e a oferecer-lhe os Negócios… ou, então nada feito
e que ele era o principal eixo da combinação, pelo que só lhe restava oferecer-lhe
os Negócios, dizendo-lhe mesmo que ou Negócios ou nada e também nada de
combinação, isto é, de coligação governamental.
E, levantando-se, começou a dirigir-se para a
porta, dizendo ao senhor Pedro que desse ordens ao motorista que o reconduzisse
a casa.
«Rogo-lhe, meu caro; não me diga não, pois
estou francamente interessado em si Dê-me apenas uns minutos par pensar… é que…
sabe, eu só aceitei este lugar por dever patriótico A verdadeira questão que se
coloca, é a de agrupar um certo número de pessoas que tenham os mesmos
interesses. Pois, pode contar com os Negócios… farei que o outro aceite o
Trabalho e um outro a Agricultura. O lugar dos e nos Negócios é seu desde já. E
agora desculpe-me, mas devo entrar em contacto com eles… Ó António, leve o
senhor Paulo a casa e regresse rapidamente.»
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