Vício que consiste em afectar qualidades ou sentimentos
bons que realmente não tem. Falsa devoção; impostura; fingimento.., no fundo
trata-se de uma homenagem prestada pelo vício à virtude.
Por muito luminoso que o seu espírito seja,
reside nele um elemento subterrâneo: surgem e irrompem, estes seres longínquos
em toda a parte presentes, sempre alerta, fugindo ao perigo e solicitando-o,
precipitando-se sobre cada sensação com uma loucura de condenados, como se não
tivessem tempo para esperar e o terrível os espreitasse até ao limiar das suas
alegrias.
Apegam-se à felicidade e aproveitam-se dela
sem moderação nem escrúpulo: dir-se-ia que estão a desfrutar de um bem alheio.
Excessivamente ardentes para epicuristas,
envenenam os seus prazeres, devoram-nos,
põem neles uma pressa e um furor que os impede de conhecer o mínimo reconforto:
afadigados em todos os sentidos da palavra, do mais vulgar ao mais nobre.
Obsessão
do depois persegue-os; ora, arte de
viver – apanágio de épocas não proféticas, da de lcibíades, de Augusto ou da Regência – consiste na experiência integral do presente.
Nada tem de goetheano: não pensariam sequer
em deter o mais belo dos momentos. Os seus profetas que invocam sem cessar os
relâmpagos de Deus, que querem ver aniquiladas as cidades do inimigo, esses
profetas sabem falar de cinzas.
Foi ns suas loucuras S. João se deve ter
inspirado para escrever o mais admiravelmente obscuro dos livros da antiguidade.
Remate de uma mitologia de escravos, o
Apocalipse representa o ajuste de contas melhor camuflado que se pode conceber.
Tudo nele é vingança, bílis e futuro mórbido.
Ezequiel, Isaías, Jeremias haviam realmente
preparado bem o terreno… Hábeis na valorização das suas desordens ou as suas
visões, divagavam com uma arte que não voltou depois ser igualada: ajudava-os o seu espírito
poderoso e impreciso.
A eternidade era para eles um pretexto para
as convulsões, um espasmo; vomitando imprecações e hinos, contorciam-se sob o
olhar de um deus insaciável e de histerias.
Eis uma religião em que as relações entre o
homem e o seu criador se esgotaram numa guerra de epítetos, numa tensão que os
impede de meditar, de se demorarem nos seus diferendos e de os resolverem, uma
religião à base de adjectivos, de efeitos de linguagem, e em que o espírito
constitui o único traço de união entre o Céu e a Terra
Estes profetas, fanáticos da poeira, poetas
do desastre, se prediziam sempre catástrofes, era porque não podiam ligar-se a
um presente tranquilizador ou a um futuro banal. Pretexto de afastarem o seu povo da idolatria,
descarregavam sobre ele sua raiva,
atormentavam-no e queriam vê-lo tão descontrolado, tão terrível como eles
próprios.
Portanto, era preciso rasgá-lo, torná-lo
único por meio das provações, impedi-lo de se constituir e de se organizar como
uma nação mortal…
À força de gritos e ameaças, conseguiram
fazê-lo adquirir essa autoridade na dor e esse ar de multidão errante,, presa da
insónia, que irrita os autóctones e lhes perturba o ressonar.
Se me objectarem que os portugueses não são de
natureza excepcional, responderei que são excepcionais pelo destino, destino
absoluto, destino no estado puro, que, conferindo-lhes força e desmesura, os
ergue acima de si próprios e lhes retira qualquer possibilidade de serem nulos.
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