Subitamente far-se-á ouvir o hino nacional,
entoado por milhares de gargantas. Abrir-se-ão janelas e varandas e ver-se-ão
na rua bandeiras nacionais, cabeças nuas ou com bonés, talvez um cartaz ou
outro, feitos à pressa e impetuosamente, fazendo desaparecer algumas pessoas
nessa massa ruidosa, ordeira e feliz, fazendo recordar tudo o que se viveu em
Abril de 1974.
Desde as janelas e varandas, ouvir-se-ão
vozes dizerem que “já não era sem tempo, que o povo já não podia aguentar
mais..., que era bem preciso pôr fim a tudo o que se passava”.
Ouviam-se também o pisar dos sapatos sobre o
pavimento. Ouviam-se vozes soltas de gargantas já roucas, e a imensa multidão,
não podendo conter-se, juntava-se a toda aquela multidão que avançava,
decidida, rumo ao palácio.
Curiosamente, não se viam avançar carros de
assalto, de combate, não! Por entre a multidão delirante, apenas alguns
soldados com suas armas ao ombro e caladas, podendo ver-se também, de vez em
quando, alguns cotovelos descarregarem sobre montras e vidros de carros por ali estacionados.
Todos os rostos estavam vermelhos, o suor
corria em grandes gotas, o que fazia lembrar que os heróis não podem cheirar
bem!
No pal´cio reinava a calma quando lá chegou
toda aquela multidão já em fúria. Curioso fenómeno social: quanto mais se
aproximavam do palácio, mais se sentiam furiosas aquelas gentes, dignas
representantes do proletariado nacional.
Um militar, talvez um capitão, avançou de
entre a turba, e clamou algo que ninguém mais percebeu, levando-o a solicitar silêncio.
Todos se calaram e abriram-se as portas do palácio, convidando-o a entrar.
Passados alguns minutos, veio à porta e
chamou meia dúzia de soldados, para escoltarem até um blindado os ocupantes do
palácio. As vozes do povo fizeram-se ouvir novamente, percebendo-se que algumas
delas diziam ter-se acabado o mito, e que o povo tinha reavido a soberania.
Alguns tentaram entrar, o que foi impedido
pelos soldados colocados à porta, enquanto o blindado arrancava pesadamente.
Estava dado o primeiro passo para levar a cabo a revolução. Desconhecia-se o
destino do blindado, até que uma voz gritou: “Vamos a S. Bento!! E, todos se
dirigiram para lá, onde puderam ainda assistir a uma cena similar.
Uma alegria frenética soa nos ares da capital, onde mais populares
se juntaram, formando então uma massa compacta que invadiu a escadaria, pretendendo
também aí entrar no palácio, tendo sido
impedida benevolamente pelos militares.
Parte do povo, menos por vingança que para
afirmar a sua posseção, parte, lacera os vidros e avança até à porta frontal,
acabando por deter-se perante a atitude dos soldados.
Calados por momentos, quietos e como que
acalmados subitamente, limitam-se a gritar que a canalha tinha sido vencida e
que, mesmo assim, lhe permitiram que se mantivessem com gravatas vistosas ao
pescoço, quando merecia apenas o nó da corda.
Aproximava-se mais uma manhã de glória para
militares e povo, que em silêncio e sem disparar um único tiro, apoderar-se dos
“senhores” até então, para os conduzir para longe da vingança popular, cujo
resultado poderia tornar-se desastroso.
A canalha protegia-se com os soldados.
Parecia gemer… afobada.
Estaria, finalmente, Portugal livre? Ou
deveria manter-se bem atento ainda? Muito possivelmente, como anunciou um
militar de patente, seria melhor que todos regressassem a casa e vissem e
ouvissem a rádio e a televisão, já que eles próprios informariam sobre o
desenrolar dos acontecimentos.
Todos começaram a dispersar e em breve só ali
estavam os militares que, uma vez mais devolviam a soberania ao povo e, em
breve, entregariam, de novo, aos políticos civis as rédeas do país. Tinham
cumprido o seu dever, o resto ficaria nas mãos do povo e nas escolhas que faria
doravante.
Tudo recomeçava, tudo voltava a ser
depositado nas mão e na vontade do povo, que deveria saber o que e quem
escolheria para governar o país melhor que os que tinham sido depostos.
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