Reduzido a um corpo que apenas pode gritar, o
cidadão recorda o homem pré-histórico antecedendo o neolítico, o que mostrava
ainda uma grande proximidade com os chamados mamíferos inferiores do mundo
animal.
Proteger-se dos perigos, venham eles de onde
vierem, pois todos são potenciais predadores para o cidadão, especialmente o de
menores recursos e conhecimentos.
Encobrir-se, encontrar um abrigo contra os
rigores do clima, pois o gelo invernal equivale a uma condenação á morte, tanto
para eles como para os animais que a estação surpreende.
Acender o fogo, voltar a encontrar,
simbolicamente, o sentido do lar em redor do qual se fabricam minimamente os
meios para conjurar a total assimilação aos animais. Isto permite, pelo menos,
sobreviver.
Contudo, e desta vez para viver, também é
preciso voltar a desempenhar, no palco do mundo moderno e industrial, a cena
ancestral da caça, da pesca ou da colheita que se tornaram, depois das
transfigurações, as técnicas de mendicidade actuais.
As florestas desapareceram e com elas a
natureza hostil e perigosa que dissimula, a cada momento, todos os perigos.
Já não existem animais emboscados ou
predadores, nem perigos vindos das moitas, das matas, das anfractuosidades, mas
a hostilidade das cidades tentaculares e desmedidas, das vilas megalómanas e
furiosas, não conhece limites.
As actividades de mendicidade assemelham-se
às técnicas primitivas que permitiam a nutrição pura e simples, requerendo uma
eterna repetição, cada vez que o corpo manifesta as suas necessidades.
Vencer o vazio, a morte, refeição após
refeição, dia após dia, enclausurado no tempo da pura e simples imediatez, o
cidadão comum vive privado de qualquer
possibilidade de futuro, sofre aqui e agora.
Amanhã será um outro dia, talvez o do
trespasse, de tal modo é preciso viver no quotidiano na companhia da morte e
dos seus atributos.
Os espaço encontra-se fascinado como um
território no qual se desenham e se determinam, quase em sobreposições
simbólicas com os dejectos, zonas controladas ou, pelo menos, submetidas a leis
não escritas, referentes à etologia mais elementar.
A luta pela existência e pelo espaço vital, o
direito ao terreno e ao do seu primeiro ocupante, a impiedosa selecção natural,
a gestão solitária ou tribal dos bens e das riquezas, a matilha formada à
maneira dos rebanhos.
Os que anunciam, impacientes, o final da
História, deveriam, em certos casos, interessar-se pelo regresso da
pré-história.
E, quando já não sabem que mais fazer,
limitam-se a pegar nas armas sempre renovadas e a ir para longe matar para se
apoderarem de mais riquezas.
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