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domingo, 8 de setembro de 2013

«O CIDADÃO NO MUNDO ACTUAL»

Reduzido a um corpo que apenas pode gritar, o cidadão recorda o homem pré-histórico antecedendo o neolítico, o que mostrava ainda uma grande proximidade com os chamados mamíferos inferiores do mundo animal.

Proteger-se dos perigos, venham eles de onde vierem, pois todos são potenciais predadores para o cidadão, especialmente o de menores recursos e conhecimentos.

Encobrir-se, encontrar um abrigo contra os rigores do clima, pois o gelo invernal equivale a uma condenação á morte, tanto para eles como para os animais que a estação surpreende.

Acender o fogo, voltar a encontrar, simbolicamente, o sentido do lar em redor do qual se fabricam minimamente os meios para conjurar a total assimilação aos animais. Isto permite, pelo menos, sobreviver.

Contudo, e desta vez para viver, também é preciso voltar a desempenhar, no palco do mundo moderno e industrial, a cena ancestral da caça, da pesca ou da colheita que se tornaram, depois das transfigurações, as técnicas de mendicidade actuais.

As florestas desapareceram e com elas a natureza hostil e perigosa que dissimula, a cada momento, todos os perigos.

Já não existem animais emboscados ou predadores, nem perigos vindos das moitas, das matas, das anfractuosidades, mas a hostilidade das cidades tentaculares e desmedidas, das vilas megalómanas e furiosas, não conhece limites.

As actividades de mendicidade assemelham-se às técnicas primitivas que permitiam a nutrição pura e simples, requerendo uma eterna repetição, cada vez que o corpo manifesta as suas necessidades.

Vencer o vazio, a morte, refeição após refeição, dia após dia, enclausurado no tempo da pura e simples imediatez, o cidadão comum vive privado  de qualquer possibilidade de futuro, sofre aqui e agora.

Amanhã será um outro dia, talvez o do trespasse, de tal modo é preciso viver no quotidiano na companhia da morte e dos seus atributos.

Os espaço encontra-se fascinado como um território no qual se desenham e se determinam, quase em sobreposições simbólicas com os dejectos, zonas controladas ou, pelo menos, submetidas a leis não escritas, referentes à etologia mais elementar.

A luta pela existência e pelo espaço vital, o direito ao terreno e ao do seu primeiro ocupante, a impiedosa selecção natural, a gestão solitária ou tribal dos bens e das riquezas, a matilha formada à maneira dos rebanhos.

Os que anunciam, impacientes, o final da História, deveriam, em certos casos, interessar-se pelo regresso da pré-história.


E, quando já não sabem que mais fazer, limitam-se a pegar nas armas sempre renovadas e a ir para longe matar para se apoderarem de mais riquezas.

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