Em sua casa, Pedro conversava com uns amigos
quando, subitamente, sentiu umas tremendas cólicas intestinais Levantou-se
rapidamente do seu confortável sofá, e quase correu para o quarto de banho.
Lá chegado – o pobre – teve apenas tempo de
se sentar para começar a descarregar a tripa. Muito lentamente começou a
sentir-se aliviado e, quando se levantava, teve de se sentar de novo, para nova
descarga, desta vez acompanhada de determinados sons saídos do intestino
delgado.
Mas, as cólicas teimavam em torturar-lhe as
entranhas; enquanto desabafava, ia pensando; de tal modo que deu consigo
próprio a pensar nos subsídios de Natal dos “chatos funcionários e aposentados”,
que deveriam “pagar a ousadia de se terem manifestado e gritado palavras que
nunca teria imaginado lhe fossem dirigidas por esses «poltrões»”.
Assim pensando, nem se apercebeu que tinha já
terminado a “função”, e ali sentado ficou tanto tempo que alguém bateu porta
perguntando se estava tudo bem. Raio de
vida a dele que nem no WC podia estar sossegado.
Mas, como tudo voltou a ficar calmo e
sossegado, deu consigo a pensar que aquele lugar era o único no qual podia
meditar sem ter de aturar os seus secretários e assessores, os seus motoristas
e demais pessoal do ministério.
Entretanto, os minutos passavam rapidamente,
sem que se desse conta desse facto e, francamente, gostou de se ver ali sentado
sozinho, de poder dar largas a toda a sua vasta imaginação e meditação.
Como estava em casa, permitiu-se ser um tanto
invejoso e até cínico, pois tinha descoberto, graças às suas cólicas
intestinais ser aquele o local ideal de retiro, apesar de os odores sentidos
não fossem exactamente um bálsamo para as suas narinas.
Se descarregasse o autoclismo, todos ouviriam
e lá teria ele de abandonar o seu novíssimo paraíso tão recentemente descoberto.
Não! Que esperassem mais um bocado, pois dali não sairia ele sem ter chegado a
uma conclusão, apesar daquele enfadonho “aroma” que sentia e que considerava
impróprio para uma pessoa como ele.
Mas, antes de mais, tratava-se de um lugar
calmo e tão sossegado, que lhe permitia pensar como nunca tinha conseguido
desde há dois anos, e lamentava-se por nunca se ter apercebido disso mesmo.
Mas, “noblesse oblige”, e decidiu
levantar-se, arranjar-se, descarregar o autoclismo e regressar ao convívio com
seus amigos, dizendo que lamentava a demora, mas deveria ter comido alguma
coisa que lhe tinha dado a volta à tripa, provocando-lhe uma forte soltura,
para médicos diarreia e para os pobres caganeira, como também assim era entre
amigos, fosse qual fosse o seu nível social.
E lá ficaram os amigos a contar anedotas uns
aos outros, todos rindo cada vez mais pois também cada vez eram mais picantes.
Enfim, nem deram conta de o tempo passar e
quando o relógio da sala bateu as sete badaladas, olharam-se incrédulos,
levantaram-se, tinha chegado a hora de cada um deles regressar a suas casas,
excepto o Pedro que estava na sua.
Beberam mais um copo para o caminho,
começaram as despedidas e o Pedro viu-se sozinho subitamente, não sem esperar,
no seu íntimo, mais umas cólicas que o obrigassem a voltar ao seu novo local de
meditação.
(Sem pretender fugir aos encartes, temos de
verificar que todas as conversas e todas as amizades interesseiras, em Portugal
acabam sempre em m…a!)
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