Sempre pensei que, cheio de amor pelo seu
país, como sempre afirma estar, se aplicaria à arte do desprendimento, do
desprezo, do silêncio. Qual não foi a minha surpresa quando me apercebi,
ouvindo-o dizer que estava preparar-se para
se candidatar.
No mesmo instante, vi desenhar-se na sua pessoa um futuro monstro, caso vencesse as eleições, como veio a acontecer.
Pensei então: “mais um que se vai perder, mais um que se vai deixar levar pela
ganância, pela arrogância, pelas curvas e contracurvas da estrada que conduz ao
poder”.
Aliás, tive ocasião para lho dizer mas, por
pudor, abstive-me de o fazer e perguntou-me então quais as razões da minha
decepção. Certamente que preferi não lhe responder de viva voz, enquanto pensava
para comigo: “mais um que se vai perder, mais um que se vai arruinar devido ao
seu talento”, e sorte teremos todos nós se não nos der cabo da vida.
Estou convencido de que se tivesse tido bons
conselheiros naquela altura, nenhum de nós estaria a sofrer, muito menos a
sociedade portuguesa com a sua deriva pela política.
Terá de convir que está por todos considerado
alguém que nada percebe do que anda a fazer em Portugal e na Europa. Enveredou
pelo caminho errado e, o que é pior, fez com que nele tivessemos de entrar.
Fê-lo de forma como se entrássemos no inferno e fossemos obrigados, fomo-lo
efectivamente, a provar todos os seus venenos.
Arrancado ao imediato, caricatura de si
próprio restar-lhe-ão apenas experiências formais, indirectas; a sua pessoa
desvanecer-se-á na palavra, pois esquece-se de cumprir as suas promessas e,
quando fala ante os literatos, deles não tira proveito algum.
Só que é tarde demais quando disso se dá
conta, após ter perdido o melhor dos seus anos num meio destituído de espessura
e de substância, embora se tenha tornado naquilo
que chamam “um político”.
E o povo, que desvaloriza as suas misérias,
as divulga, as repisa, fazendo-o sentir-se mais ínfimo que uma formiga quando
sai às ruas do país e clama pela justiça que tarda em chegar? Isto é, a sua
demissão e a devolução da palavra a esse mesmo povo par que possa mudar de
rumo, desta vez com esperanças no futuro e certezas no presente.
Um indiscreto que desvaloriza as suas misérias
e miseráveis formas de estar na política, vive no impudor – exibição de
pensamentos reservados – é a regra de alguém que se oferece.
Todas as formas de talento são acompanhadas
de certa sem-cerimónia. Distinto, é-o apenas o estéril,aquele que se apaga com
o seu segredo, porque desdenha exibi-lo: os sentimentos expressos são uma dor
para a ironia, uma bofetada no humor.
Conservar o próprio segredo, nada de mais
frutuoso. O segredo trabalha-o, corrói-o, ameaça-o. Mesmo quando se dirige ao
povo, a confissão – que nunca faz – é um atentado contra nós próprios, contra
as energias do nosso ser.
As perturbações, as vergonhas, os medos, de
que as terapêuticas pretendem libertar-nos, constituem um património de que por
nenhum preço deveríamos desfazer-nos, pois temos de nos defender contra os que
dizem curar-nos e, ainda que pereçamos por isso, preservar os nossos males e os nossos
pecados.
Como não vai só na estrada que escolheu, pode
parecer não se sentir tão só no caminho, mas torna-se mais que evidente que a
sua solidão é cada vez mais profunda, restando-lhe apenas aquele caminho que
leva ao abandono de certas megalomanias que o acossam sobremaneira.
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