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sábado, 29 de junho de 2013

«A vida política faz parte da evolução biológica»

Em entrevista à Folha, o neurocientista português António Damásio explica a influência da mente nos desafios da atualidade

O neurocientista português António Damásio relacionou, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, os protestos vividos no Brasil com a evolução biológica do ser humano. O português chegou ao Brasil durante a onda de manifestações e considerou que o envolvimento emocional das pessoas com as reivindicações ajudou os protestos, por um lado, a tomarem grandes proporções, e por outro, a perderem a objectividade. 

António Damásio, que estuda o papel da emoção na racionalidade, defendeu que «é preciso pensar nas razões, porque as razões existem», disse. «Se há certas coisas que são altamente desproporcionadas, e se um grupo suficientemente grande de pessoas sente que há uma injustiça, a resposta emocional tende a ser maior». 

O cientista, professor da Universidade do Sul da Califórnia, está a preparar um livro sobre a ligação entre a neurociência e os fenómenos sociais. «Tudo aquilo que se passa na nossa vida social e política não é uma coisa inventada por nós, por políticos ou por jornalistas, é uma coisa que faz parte da nossa evolução» afirmou em São Paulo, na conferência «Fronteiras do Pensamento».

«Eu acho que só se pode compreender o que é um ser humano quando se tem em vista a biologia e a cultura em que esse ser humano está inserido. É evidente que esta conversa e as ideias que estão a ser traduzidas por ela não pode ser tida por símios altamente complexos. A forma como as redes funcionam e a forma como elas estão integradas é que vão permitir a estruturação daquilo que é uma mente humana. Vão permitir, através da evolução, estruturar uma sociedade e uma cultura, que por sua vez intervêm no cérebro humano, e que por sua vez faz acontecer alguma coisa que não aconteceu em outras sociedades de outros animais», explica.

«Uma outra causa importante tem a ver com a comunicação que hoje em dia nós temos, por exemplo, através dos media. É completamente diferente do que teria existido em outros momentos históricos. Não é por acaso que aquilo que aconteceu na Primavera Árabe, o que tem acontecido na Turquia e acontece no sul da Europa, aconteceu aqui agora com um aspecto tão distribuído e tão rápido», disse em entrevista à Folha.

Sobre esta influência dos media e da avalanche de informação digital a chegar ao cérebro, o cientista português considerou que existem «riscos óbvios, mas a questão deve ser centrada na forma como as pessoas lidam com essa informação. «Depende da maneira como se responde a essa quantidade de informação disponível. Há pessoas que respondem tendendo a pegar em tudo, e é evidente que vão ter problemas em digerir toda essa informação, e há pessoas que vão ser mais comedidas na forma com vão adquirir essa informação», explicou, lembrando que há certos fenómenos que acontecem durante um tempo e depois passam. «As pessoas tiveram exatamente as mesmas preocupações quando apareceu pela primeira vez a rádio». 

Já no que diz respeito às crianças, António Damásio admite que podem existir mais riscos, mas também vantagens. «Vai ter, ao mesmo tempo, coisas benéficas e potenciais problemas. As coisas benéficas são óbvias. Vai haver uma aceleração de respostas cognitivas que pode trazer benefícios em matéria de rapidez de raciocínio, por exemplo. Mas, ao mesmo tempo, isso pode dividir de tal maneira o espaço intelectual de modo que, paradoxalmente, não haja tempo para fazer as boas e acertadas decisões. Portanto, tudo isto é matéria de investigação. Não é possível dizer, a priori, que isto vai ser muito bom ou que vai ser muito mal. É possível que seja um pouco de uma coisa e um pouco da outra, e é possível que no fim não tenha efeito de qualquer espécie».

=TVI24=

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