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quarta-feira, 31 de julho de 2013

«SOBRE UM POVO ESGOTADO»

Aquele que pertence organicamente a um povo, ou civilização, não pode identificar a natureza do mal que o mina. O seu diagnóstico pouco a pouco nada conta; o juízo que fizer sobre ela implicá-lo-á; poupá-la-á por egoísmo.

Mais desprendido, mais livre, o recém chegado examina sem cálculo e apreende melhor as falhas. Se o povo se perder, ele aceitará, se necessário, perder-se também, atestar nele e em si próprio os efeitos do fatum.

Remédios, não os possui nem os propõe, limitando-se a uma vergonhosa austeridade, que impõe. Como sabe que não se cura o destino, não se arvora em curandeiro junto de ninguém. A sua ambição: estar á altura do Incurável…

Perante a acumulação dos seus (in)sucessos, os países do Ocidente não tiveram dificuldade em exaltar a História, em atribuir-lhe um significado e uma finalidade. Ela pertencia-lhes, eram eles os seus agentes: a História devia, por isso, seguir uma vida racional…

Colocaram-na, assim, sob os auspícios da Providência, da Razão e do Progresso. (?)

Faltava-lhes o sentido da fatalidade; começam enfim a adquiri-lo, aterrados pela ausência que os espreita, pela perspectiva do seu eclipse, passando de sujeitos a objectos, para sempre despojados dessa irradiação, dessa admirável megalomania que até hoje os protegera contra o irreparável.

Hoje estão tão conscientes disso que medem a estupidez de um espírito pelo grau do seu apego aos acontecimentos.

Nada mais normal, uma vez que os acontecimentos se passam “noutro lado”. Só se sacrifica aos acontecimentos a população “reles”, quando deles se conserva a iniciativa.

Mas, por pouco que se guarde a lembrança de uma antiga supremacia, continua a sonhar-se ser grande, que mais não seja na desgraça.

Já não há cidadãos, mas sim indivíduos pálidos e desenganados, prontos ainda  responder a uma utopia, porém sob a condição de esta chegar do exterior e de não terem que proceder ao esforço de a conceber.

Se outrora morriam pelo sem-sentido da glória, abandonaram-se agora a um frenesim reivindicativo.

A “felicidade” tenta-os; é o seu último preconceito, a que esse pecado de optimismo vai buscar a sua energia.

Preferir não ver, servir, entregar-se ao ridículo ou à estupidez de uma causa – extravagâncias que já não são capazes.


Apostar no desaparecimento dos apetites guerreiros, acreditar na generalização da decrepitude ou do idílio, é ver muito longe, demasiado longe: a utopia, vista cansada dos povos velhos!

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