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sexta-feira, 6 de setembro de 2013

«O TRIUNFO DOS PORCOS»

“Camaradas! Vocês já ouviram falar do estranho sonho que tive a noite passada. Mas trataremos do sonho depois. Tenho alguma coisa para vos dizer antes disso. Não creio, camaradas, que esteja muitas mais vezes convosco. Devo morrer em breve e acho meu dever transmitir-vos os conhecimentos que adquiri. Tive uma vida longa e muito tempo para pensar quando estava só no meu curral e julgo poder dizer que compreendi o sentido da vida nesta terra, tão bem como qualquer animal vivo. É a propósito disto que vos vou falar.”

“Agora, camaradas, pergunto: - qual é o sentido desta nossa vida? Temos de admiti-lo: a nossa vida é miserável, trabalhosa e curta. Nascemos, dão-nos a comida justamente necessária para nos mantermos. Enquanto podemos respirar somos forçados  trabalhar até ao final da nossa resistência e, quando esta acab, somos assassinados com crueldade. Nenhum animal de Inglaterra conhece, depois de ter um ano de idade, o significado das palavras felicidade e descanso.

Nenhum animal é livre em Inglaterra; a vida de umanimal é a miséria e a escravidão. Esta é a verdade nua e crua.

Mas será por esta terra ser pobre que não pode haver vida decente para aqueles que nela trabalham? Não, camaradas, mil vezes não!

O solo da Inglaterra é fértil, o clima é bom e é capaz de fornecer comida com abundância a uma quantidade de animais muito maior do que daqueles que agora habitam o país.

Esta pequena quinta pode sustentar uma dúzi de cavalos, vinte vacas, centenas de carneiros, vivendo todos com conforto e dignidade, que presentemente desconhecemos.

Então, porque vivemos nós nestas condições miseráveis? Porque a quase totalidade do produto do nosso trabalho é roubada pelos seres humanos. Esta é a re4spost a todos os nossos problemas. Toda a nossa miséria se resume a uma só palavra – o homem. O homem é o único inimigo real que temos. Retirem o homem da cena e a causa da fome e do excesso de trabalho desaparecerá para sempre.

O homem é a única criatura que consome sem produzir. Não dá leite, não põe ovos, é muito fraco para puxar o arado e não corre o bastante para caçar coelhos. Pois, apesar de tudo isto, é o senhor de todos os animais. Manda-os trabalhar e do produto desse trabalho dá-lhes só o mínimo necessário para não morrerem de fome. O nosso trabalho lavra a terra, o nosso estrume fertiliza-a e, no fim de tudo, apenas somos donos da nossa pele.

Vocês, vacas, que estão na minha frente, quantos milhares de litros de leite deram no ano passado? E que foi feito desse leite que devia servir para criar vigorosos vitelos? Foi inteiramente para as goelas dos nossos inimigos.

Vocês, galinhas, quantos ovos puseram no ano passado? E quantos desses ovos serviram para produzir galinhas? A maior parte foi para o mercado e transformada em dinheiro para o sr. Jones e para a sua gente.

E você, Clover, que é feito daqueles quatro lindos potros, seus filhos, que deveriam ser a alegria e o amparo da sua velhice? Foram vendidos quando tinham um ano e náo tornará a vê-los. E como compensação de tudo isto, têm vocês alguma coisa mais do que uma magra ração e um estábulo?

Mesmo vivendo uma vida tão miserável não nos é permitido chegar ao seu limite natural. Por mim não me queixo, porque sou um dos felizes: já fiz doze anos e tive mais de quatrocentos filhos. Esta é a vida normal de um porco, mas nenhum animal escapa, no fim, à faca cruel. Vocês, porcos novos, que estão na minha frente, dentro de um ano terão de soltar o grito que marca o fim da vida.  esse horror não poderemos fugir – vacas, porcos, galinhas, carneiros, todos. E os cavalos e os cães não têm melhor destino. Você, Boxer, no dia em que esses belos músculos perderem a força, será enviado por Jones para o matadouro. E a vocês, cães, quando forem velhos e perderem os dentes, Jones amarra-vos um pedra ao pescoço a atira-vos para um poço»

Não está, pois, bem claro, camaradas, que todas as misérias que sofremos são resultado da tirania dos homens? Temos de nos libertar dos homens. Então o produto do nosso trabalho será só nosso. Seremos então ricos e livres.

Que devemos pois fazer? Trabalhar noite e dia, de corpo e alma, para destronar a raça humana! Esta é a mensagem que vos dirijo, camaradas! . Revolta!

Não sei quando virá esta Revolta.  Pode surgir dentro de uma semana ou dentro de cem anos; mas sei – estou tão certo disso como estar a ver palha sob os meus pés  - que, mais cedo ou mais tarde, será feita justiça. Fixem nisso os vossos olhos, camaradas, durante o poco tempo que vos resta de vida e, principalmente passai esta minha mensagem àqueles que vierem depois de vós, para que as futuras gerações possam continuar a luta até à vitória.

Recomendo-vos,  camaradas, que nunca vacileis nas vossas resoluções; nenhum argumento vos deve desviar. Não deis ouvidos a quem vos disser que o homem e os animais têm interesses comuns, que a prosperidade de uns é a prosperidade dos outros. Isso é tudo mentira! O homem não serve os interesses de qualquer outra criatura – serve apenas os seus. E entre nós, animais, que haja sempre perfeita unidade, perfeita camaradagem na luta. Todos os homens são inimigos. Todos os animais são camaradas.”

Neste momento manifestou-se um tremendo tumulto. Enquanto Major estava a falar, quatro grandes ratos sairam dos buracos para o ouvirem. Os cães viram-nos logo e os ratos só salvaram a vida por terem fugido para osn seus buracos com rapidez.

Major levantou a pata para pedir silêncio e disse:

“Camaradas! Há um ponto que é preciso esclarecer<: as criaturas selvagens, como ratos e coelhos, são nossos amigos ou inimigos? Façamos uma votação. Eu ponho esta questão: os ratos são camaradas?”

Da votação, por grande maioria, resultou que eram. Houve, porém, quatro votos contra, três dos cães e um do gato, tendo este último, como se verificou depois, votado em ambos os lados.

Major continuou:

“ Tenho mais uma coisa a dizer-vos. Eu insisto: nunca vos esqueçais  que é vosso dever serdes sempre sempre e de todas as maneiras inimigos do homem. Tudo o que anda com dois pés é inimigo. Os que andam com quatro pés ou têm asas são amigos.

Lembrem-se ainda de que quando lutarmos contra o homem não deveremos vir a parecer-nos com ele; nem, quando o vencermos, devemos copiar os seus vícios. Nenhum animal deverá viver numa casa, nem usar roupas, nem dormir numa cama, nem tocar em  dinheiro ou comerciar. Todos os hábitos do homem são depravações. E acima de tudo nenhum animal deve tiranizar outro animal. Fracos ou fortes, espertos ou estúpidos – somos todos irmãos. Nenhum animal deve matar outro animal. Todos os animais são iguais.

Agora, camaradas, vou falar do meu sonho da noite passada. Eu não vo-lo posso descrever. Sonhei como seria a terra quando o homem desaparecesse. Mas isso fez-me recordar uma coisa que há muito me tinha esquecido.

“Há muitos anos, m quando ainda era leitão, a minha mãe e outras porcas cantavam uma velha cantiga, da qual eu só sabia a música e as três primeiras palavras. Conheci esta música na minha infância, mas depois esqueci-me. Na noite passada recordei-a, no meu sonho. E o mais curioso é que me ocorreram as palavras das cantiga, palavras que – tenho a certeza – eram cantadas pelos animais há muito tempo e estiveram esquecidas durante gerações.

“Vou cantar agora essa cantiga para vós, camaradas.

Já estou velho e a minha voz é rouca, mas quando vos ensinar a melodia vocês poderão cantá-la melhor que eu. A cantiga chama-se: “Animais de Inglaterra”

O velho Major tossiu para aclarar a voz e começou a cantar. Como tinha avisado, a sua voz era rouca, mas cantou bastante bem. A música parecia-se com as músicas populares “Clementina” e “Cucaracha”.

As palavras eram:

Animais de Inglaterra animais da Irlanda,
Animais de todas as terras e climas!
Escutai estas minhas alegres notícias
Do tempo futuro que será dourado.

Cedo ou tarde o dia virá,
O homem tirano será destronado
E os produtivos campos de Inglaterra
Serão passeados só por animais.

As argolas desaparecem dos nossos narizes
E os arreios das nossas costas,
Freio e espora têm de enferrujar para sempre
O chicote cruel nunca mais estalará.

Mais ricos do que podemos pensar,
Trigo e cevada, aveia e feno
Trevo, feijões e beterraba para gado,
Tudo será nosso nesse dia.

Brilhantes serão os campos da Inglaterra,
Puras serão as suas águas,
Doce será a brisa que sopra
No dia em que formos livres.

Temos de trabalhar por esse dia,
Mesmo que se morra antes de ele nascer.
Vacas e cavalos, gansos e perus,
Todos temos de trabalhar pela liberdade.

Animais de Inglaterra, animais da Irlanda,
Animais de todas as terras e climas!
Escutai as minhas alegres notícias
Do futuro tempo que será dourado.

A cantiga provocou grande excitação entre os animais e antes que Major tivesse acabado já eles cantavam em coro. Mesmo os mais estúpidos tinham apanhado a música e algumas palavras. Os mais inteligentes, como os porcos e os cães, cantavam a cantiga toda dentro de poucos minutos. E então toda a quinta gritava as primeiras palavras em coro – Animais de Inglaterra –As vacas mugiam, os cães ladravam, os carneiros baliam, os cavalos relinchavam e os patos grasnavam. E estavam tão contentes que a repetiram cinco vezes e assim continuariam se não fossem interrompidos.

Infelizmente, o barulho acordara Jones, que saltou da cama convencido de que havia raposa na quinta; agarrou na espingarda e deu um tiro na escuridão.Os zagalotes cravaram-se na parede do celeiro e a reunião dispersou. Cada um foi para o seu lugar de dormir, os pássaros saltaram para os poleiros, os outros foram deitar-se nas palhas e dentro em pouco tudo era silêncio.


(…)

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