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domingo, 15 de setembro de 2013

«PORTUGAL E O SEU EMPOBRCIMENTO»

No conjunto das análises clássicas, devem distinguir-se dois sectores, ou, se se preferir, dois blocos diferentes: Um que parece ter, em grande medida, perdido a sua validade, pelo menos no que diz respeito às sociedades industriais, e que portanto se deveria modificar sensivelmente: é o conjunto, que muitos conhecem, das teorias da pauperização, da miséria crescente da grande maioria dos membros da sociedade e do facto de que, a partir desta pauperização e desta miséria, o proletariado deve, senão necessariamente pelo menos muito provavelmente, chegar a uma tomada de consciência revolucionária.

Aqui, parece-me que, se realmente queremos pensar e compreender a realidade social em que vivemos, temos finalmente que tomar consciência de que a evolução histórica real seguiu um caminho, ao fim e ao cabo, daquele que se podia esperar.

Hoje, o mundo industrializado constitui, deste ponto de vista – e apenas deste ponto de vista – um sector privilegiado no qual as classes operárias  dos diferentes países, até certo ponto, se integraram nas sociedades globais, e no qual falar ainda em empobrecimento, miséria crescente e orientação revolucionária do proletariado é, pura e simplesmente, pensar e viver no mito.

Nem por isso é menos certo que tudo está longe de ser ideal ou muito simplesmente aceitável nestas sociedades.

Tendo assumido novas formas, os problemas do homem, do seu desenvolvimento e da sua libertação, permanecem particularmente graves.

Entretanto, isto não altera nada ao facto de que hoje tudo surge como ultrapassado, e isto mesmo que fosse mais ou menos válido na segunda metade do século XIX.

É seguro que já não é neste plano que hoje, para nós, se coloca o problema da libertação do homem e da esperança de futuro. Inútil lembrar que “para nós” significa aqui para os membros das sociedades industriais e que em todo o terceiro mundo o problema da miséria conservou toda a sua angustiante primazia.

Então, Portugal é um país do terceiro mundo? É-o em muitos aspectos, e tende a piorar, bastando analisar a taxa crescente do desemprego, a forma como são tratados os cidadãos e funcionários públicos, os menos bafejados pela sorte – fabricada pelos políticos desalmados, numa sociedade capitalista liberal, em que as relações entre os homens perdem muito do seu carácter qualitativo e humano para se transformarem em simples relações quantitativas.

Além disso, a sua essência, enquanto relações sociais e inter-humanas desaparecem da consciência do homem, para reaparecerem sob a forma reificada como propriedade das coisas.

Ora exemplos abundam e basta citar o das relações entre  os participantes nas diferentes etapas da produção de um produto acabado, cuja cooperação desaparece das consciências para já só se encontrar expressão numa nova propriedade das mercadorias: o preço, que estabelece no mercado a única relação entre o criador de gado, o mercador de peles, o retalhista e o consumidor.

Esta situação conduz a uma deformação fundamental do indivíduo que se exprime nos mais diversos planos, mas de que basta mencionar um dos aspectos mais importantes: é o facto de, na sociedade capitalista, o indivíduo se achar cindido em dois, e até em três: o cidadão, o agente da vida económica ou profissional, o indivíduo privado, tendo em cada um destes sectores valores e regras de conduta diferentes, e não podendo já realizar a unidade da sua vida, o desenvolvimento harmonioso da sua personalidade.

Hoje, o homem, o próprio indivíduo, encontra progressivamente cada vez menos sectores da vida social em que possa ainda ter uma iniciativa e uma responsabilidade,  torna-se cada vez mais um ser a quem só se pede que execute decisões em que não participo, garantindo-lhe em troca uma possibilidade de consumo acrescida, situação que, claro está, implica um estreitamento e um empobrecimento perigoso e considerável da sua personalidade.


Este é um processo que se acha ainda no princípio, e que corre o risco de assumir um lugar cada vez maior à medida que se desenvolve o capitalismo de organização.

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