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domingo, 18 de agosto de 2013

«O DRAMA DE SER PORTUGUÊS»

Se ser homem é um drama em si mesmo, ser português é outro maior.

Assim, o português tem o privilégio de viver duas vezes a nossa condição.

Representa a existência separada por excelência ou, par empregar uma expressão de que se servem os teólogos para qualificar Deus, o inteiramente outro.

Consciente da sua singularidade, pensa nela ininterruptamente e nunca se abandona: daí esse ar constrangido, crispado ou de falsa segurança que é tão frequente naqueles que carregam o fardo de um segredo.

Em vez de se orgulhar das suas origens, de as ostentar e de as afirmar bem alto, camufla-as: não lhe conferiria, porém, a sua sorte ímpar o direito de olhar com altivez a turba humana?

Vítima, reage à sua maneira como um vencido sui generis.

Em mais de um aspecto, aparentava-se a essa serpente que transformou em personagem e em símbolo.

Não julguemos, todavia, que também ele tem o sangue-frio: seria ignorar a sua verdadeira natureza, os seus entusiasmos, a sua capacidade de amor e de ódio, o seu gosto pela vingança ou s excentricidades da sua caridade.

Excessivo em tudo, emancipado da tirania da paisagem, da estupidez do enraizamento, sem amarras, acósmico, ele é o homem que nunca será daqui, o homem vindo de outro lugar, o estrangeiro em si, que não poderia sem equívoco falar em nome dos indígenas, de todos.

Traduzir os seus sentimentos, tornar-se seu intérprete, como pretenderia ele semelhante tarefa?

Não haveria multidão que não conseguisse arrastar, conduzir, sublevar: a trombeta não lhe assenta bem.

Censurá-lo-ão pelos seus pais, pelos seus antepassados, que repousam lá longe, noutros países, noutros continentes.

Sem sepulturas para mostrar, para explorar, sem a possibilidade de ser o porta-voz de qualquer cemitério, não representa ninguém senão ele próprio, nada senão ele próprio.

Se se reclama da última palavra de ordem, se está na origem de uma revolução, ver-se-á rejeitado no exacto momento em que as suas ideias triunfam, em que as suas palavras têm força de lei.

Se um serve de causa, não poderá fazê-la sua até ao fim. Chega o di em que tem que a contemplar como espectador, como desiludido.


Defenderá em seguida um outra, com um excesso não menos notório. Muda de país? O seu drama recomeça:o êxodo é a sua base,  sua certeza, o seu lar.

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