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domingo, 1 de setembro de 2013

«UM DIA DESTES TALVEZ…»

Subitamente far-se-á ouvir o hino nacional, entoado por milhares de gargantas. Abrir-se-ão janelas e varandas e ver-se-ão na rua bandeiras nacionais, cabeças nuas ou com bonés, talvez um cartaz ou outro, feitos à pressa e impetuosamente, fazendo desaparecer algumas pessoas nessa massa ruidosa, ordeira e feliz, fazendo recordar tudo o que se viveu em Abril de 1974.

Desde as janelas e varandas, ouvir-se-ão vozes dizerem que “já não era sem tempo, que o povo já não podia aguentar mais..., que era bem preciso pôr fim a tudo o que se passava”.

Ouviam-se também o pisar dos sapatos sobre o pavimento. Ouviam-se vozes soltas de gargantas já roucas, e a imensa multidão, não podendo conter-se, juntava-se a toda aquela multidão que avançava, decidida, rumo ao palácio.

Curiosamente, não se viam avançar carros de assalto, de combate, não! Por entre a multidão delirante, apenas alguns soldados com suas armas ao ombro e caladas, podendo ver-se também, de vez em quando, alguns cotovelos descarregarem sobre montras e vidros  de carros por ali estacionados.

Todos os rostos estavam vermelhos, o suor corria em grandes gotas, o que fazia lembrar que os heróis não podem cheirar bem!

No pal´cio reinava a calma quando lá chegou toda aquela multidão já em fúria. Curioso fenómeno social: quanto mais se aproximavam do palácio, mais se sentiam furiosas aquelas gentes, dignas representantes do proletariado nacional.

Um militar, talvez um capitão, avançou de entre a turba, e clamou algo que ninguém mais percebeu, levando-o a solicitar silêncio. Todos se calaram e abriram-se as portas do palácio, convidando-o a entrar.

Passados alguns minutos, veio à porta e chamou meia dúzia de soldados, para escoltarem até um blindado os ocupantes do palácio. As vozes do povo fizeram-se ouvir novamente, percebendo-se que algumas delas diziam ter-se acabado o mito, e que o povo tinha reavido a soberania.

Alguns tentaram entrar, o que foi impedido pelos soldados colocados à porta, enquanto o blindado arrancava pesadamente. Estava dado o primeiro passo para levar a cabo a revolução. Desconhecia-se o destino do blindado, até que uma voz gritou: “Vamos a S. Bento!! E, todos se dirigiram para lá, onde puderam ainda assistir a uma cena similar.

Uma alegria frenética  soa nos ares da capital, onde mais populares se juntaram, formando então uma massa compacta que invadiu a escadaria, pretendendo também aí entrar no palácio,  tendo sido impedida benevolamente pelos militares.

Parte do povo, menos por vingança que para afirmar a sua posseção, parte, lacera os vidros e avança até à porta frontal, acabando por deter-se perante a atitude dos soldados.

Calados por momentos, quietos e como que acalmados subitamente, limitam-se a gritar que a canalha tinha sido vencida e que, mesmo assim, lhe permitiram que se mantivessem com gravatas vistosas ao pescoço, quando merecia apenas o nó da corda.

Aproximava-se mais uma manhã de glória para militares e povo, que em silêncio e sem disparar um único tiro, apoderar-se dos “senhores” até então, para os conduzir para longe da vingança popular, cujo resultado poderia tornar-se desastroso.

A canalha protegia-se com os soldados. Parecia gemer… afobada.

Estaria, finalmente, Portugal livre? Ou deveria manter-se bem atento ainda? Muito possivelmente, como anunciou um militar de patente, seria melhor que todos regressassem a casa e vissem e ouvissem a rádio e a televisão, já que eles próprios informariam sobre o desenrolar dos acontecimentos.

Todos começaram a dispersar e em breve só ali estavam os militares que, uma vez mais devolviam a soberania ao povo e, em breve, entregariam, de novo, aos políticos civis as rédeas do país. Tinham cumprido o seu dever, o resto ficaria nas mãos do povo e nas escolhas que faria doravante.

Tudo recomeçava, tudo voltava a ser depositado nas mão e na vontade do povo, que deveria saber o que e quem escolheria para governar o país melhor que os que tinham sido depostos.



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