Após tanta fraude e impostura, tanta hipocrisia
e miséria humana, com tanta fome
existente no mundo, é reconfortante contemplar um mendigo.
Ele, ao menos não mente aos outros nem a si
próprio: a sua doutrina, se a tem, encarna-a.
Não gosta do trabalho e demonstra-o;
afirma-se “um filósofo” que prefere viver sob as pontes e viadutos que mendigar
também à autarquia uma casa que nem poderia mobilar.
Como nada deseja possuir, cultiva o seu despojamento,
condição da sua liberdade.
O seu pensamento resolve-se no seu ser, e o
seu ser no seu pensamento. Por isso decide beber uns copos; ele próprio se
aliena, sem precisar que alguém o faça por ele.
Falta-lhe tudo, é ele próprio, dura: viver
imediatamente a eternidade é viver apenas um dia de cada vez.
Por isso, para ele, os outros são presa da
ilusão.
Se depende deles, vinga-se observando-os,
especialista que é do reverso dos sentimentos “nobres”.
A sua preguiça, de uma qualidade muito rara,
faz dele um ser verdadeiamente “liberto”, perdido num mundo de gente tola e
iludida.
Sabe mais sobre a renúncia do que a maior
parte das vossas obras esotéricas.
Para vos convencerdes disso, senhores
políticos, basta sairdes à rua…
Mas não! Preferias os textos que pregam a
mendicidade.
Como nenhuma consequência prática acompanha
as vossas libertações, não é de admirar que o último dos mendigos valha mais
que vós.
Poderia conceber-se o Buda fiel às suas
verdades e aos seus palácios?
Não se pode ser “libetrto-vivo” e
proprietário.
Insurjo-me contra a generalização da mentira,
contra aqueles que ostentam a sua pretensa “salvação” e a esteiam numa doutrina
que não emana do fundo do seu ser.
Desmascará-los, fazê-los descer do pedestal a
que se alçaram, pô-los no pelourinho,
eis uma campanha a que ninguém deveria ficar indiferente.
Porque é preciso, a todo o preço, impedir
aqueles que têm demasiado boa consciência de viver e morrer nem paz.
A esfera da consciência reduz-se na acção;
por isso ninguém que aja pode aspirar ao universal, porque agir é agarrar-se às
propriedades do ser em detrimento do ser, a uma forma de realidade em prejuízo
da realidade.
O grau da nossa emancipação mede-se pela
quantidade das iniciativas de que nos libertamos, bem como pela nossa
capacidade de converter em não-objecto todo o objecto.
Mas nada significa falar de emancipação a
propósito de uma humanidade apressada que se esqueceu de que não é possível
reconquistar a vida nem gozá-la sem primeiro a ter abolido.
Respiramos demasiado depressa para sermos
capazes de captar as coisas em si próprias ou de denunciar a sua fragilidade. O
nosso ofegar postula-as e deforma-as, cria-as e desfigura-as, e amarra-nos a
elas.
Não se riam! Não sabem quem produz mendigos?
Os políticos governantes.
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