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sexta-feira, 6 de setembro de 2013

«O MENDIGO»

Após tanta fraude e impostura, tanta hipocrisia e miséria humana, com  tanta fome existente no mundo, é reconfortante contemplar um mendigo.

Ele, ao menos não mente aos outros nem a si próprio: a sua doutrina, se a tem, encarna-a.

Não gosta do trabalho e demonstra-o; afirma-se “um filósofo” que prefere viver sob as pontes e viadutos que mendigar também à autarquia uma casa que nem poderia mobilar.

Como nada deseja possuir, cultiva o seu despojamento, condição da sua liberdade.

O seu pensamento resolve-se no seu ser, e o seu ser no seu pensamento. Por isso decide beber uns copos; ele próprio se aliena, sem precisar que alguém o faça por ele.

Falta-lhe tudo, é ele próprio, dura: viver imediatamente a eternidade é viver apenas um dia de cada vez.

Por isso, para ele, os outros são presa da ilusão.

Se depende deles, vinga-se observando-os, especialista que é do reverso dos sentimentos “nobres”.

A sua preguiça, de uma qualidade muito rara, faz dele um ser verdadeiamente “liberto”, perdido num mundo de gente tola e iludida.

Sabe mais sobre a renúncia do que a maior parte das vossas obras esotéricas.

Para vos convencerdes disso, senhores políticos, basta sairdes à rua…

Mas não! Preferias os textos que pregam a mendicidade.

Como nenhuma consequência prática acompanha as vossas libertações, não é de admirar que o último dos mendigos valha mais que vós.

Poderia conceber-se o Buda fiel às suas verdades e aos seus palácios?

Não se pode ser “libetrto-vivo” e proprietário.

Insurjo-me contra a generalização da mentira, contra aqueles que ostentam a sua pretensa “salvação” e a esteiam numa doutrina que não emana do fundo do seu ser.

Desmascará-los, fazê-los descer do pedestal a que se alçaram, pô-los no pelourinho,  eis uma campanha a que ninguém deveria ficar indiferente.

Porque é preciso, a todo o preço, impedir aqueles que têm demasiado boa consciência de viver e morrer nem paz.

A esfera da consciência reduz-se na acção; por isso ninguém que aja pode aspirar ao universal, porque agir é agarrar-se às propriedades do ser em detrimento do ser, a uma forma de realidade em prejuízo da realidade.

O grau da nossa emancipação mede-se pela quantidade das iniciativas de que nos libertamos, bem como pela nossa capacidade de converter em não-objecto todo o objecto.

Mas nada significa falar de emancipação a propósito de uma humanidade apressada que se esqueceu de que não é possível reconquistar a vida nem gozá-la sem primeiro a ter abolido.

Respiramos demasiado depressa para sermos capazes de captar as coisas em si próprias ou de denunciar a sua fragilidade. O nosso ofegar postula-as e deforma-as, cria-as e desfigura-as, e amarra-nos a elas.


Não se riam! Não sabem quem produz mendigos? Os políticos governantes.

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