Ainda e sempre me
admiro com o silêncio no meio do qual sofrem os portugueses, com os seus
soluços contidos e com a submissão às brutais necessidades do sistema, como se
não houvesse alternativa possível, ou que fosse impensável, impossível ou
inconcebível outra coisa.
De acordo com
Bakounine e contra Marx, sempre acreditei que os mais esquecidos constituem,
hipoteticamente, um fermento mais eficaz para as revoltas consequentes ou para
as revoluções,, do que os postos avançados do proletariado esclarecido, que as
lanças de ferro aguçadas de uma eminência da classe operária.
Nutro mais simpatia
pela revolução artística do primeiro que pela arte das revoluções do segundo,
pelos poetas e pelos danados de um, que pelos dialectas e revolucionários
profissionais do outro. Blanqui e Rimbaud, de preferência a Lenine e Trotsky.
Desse modo,
recuso-me a falar para os pobres reivindicando, plenamente, a tarefa ética e o
dever visceral de estar com eles.
A que se assemelha,
portanto, hoje em dia, uma cartografia infernal da miséria? Não uma miséria
metafísica, limpa, transfigurada pela filosofia que a definiria como ausência
ou penúria existencial, inadequação entre o ser e o ter, antinomia radical
entre a aspiração e a posse, impossibilidade total de gastar, que suporia o
retiro como única via para a preocupação em se economizar a si próprio ou como
medida de pura e simples sobrevivência, mas a miséria encarnada, a miséria suja
que tem os seus nomes:
sem-abrigo e
desempregados, operários me proletários, a miséria que calca os passeios com as
prostitutas, dorme debaixo das pontes com os vagabundos, se deita na cama com
os prisioneiros, assombra o sono e as noites das pessoas sem trabalho.
A miséria daq qual
Littré narra o paradoxal percurso do ódio e da tristeza e, depois, o seu
estranho parentesco.
O inferno a que me
refiro coincide com um universo no qual estão nitidamente delineados três
círculos, cada um dos quais delimitando territórios com as suas próprias leis e
lógicas.
Eles estruturam
três formas para três mundos nos quais podemos cair, em involução, e dos quais
raramente nos podemos extirpar, evoluindo.
A cloaca total, a terra das escórias, dos dejectos e dos lixos, aquela para lá da qual só existem carcaças que nem sequer se encontram cobertas por uma poeira benevolente, é a dos danados.
“Chamo danado
àquele que nada possui para lá de si mesmo e que vive exclusivamente sob o
regime doloroso das necessidades vitais e animais: comer e beber em primeiro
lugar, dormir, em seguida, e proteger-se das intempéries. Mais nada.”
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