Essas radiosas intersubjectividades ainda tornam possível
o encontro de obras, no vasto sentido do termo. As que oferecem perspectivas
críticas, longe dos pensamentos pré-digeridos, vendidos e promovidos pelas
modas em vigor em todas as estações e épocas, as que fazem da cultura um meio
para se apoderar do mundo de outra forma, para desejá-lo diferente, outro, em
vez de ver nela uma ocasião suplementar para praticar a diferenciação e cavar
abismos que separam as classes, como se separavam outrora as castas e as raças.
A derrota do pensamento não está generalizada e o triunfo
da barbárie ainda não é efectivo.
O intuito de um pensamento crítico libertário consiste
sempre em opor a cultura às forças sombrias e gregárias, de certo modo a
reactualizar a mensagem e o poder das Luzes que presidiam a Revolução Francesa.
Os objectivos dessa época permanecem actuais: a autonomia
da razão, a reflexão livre, desembaraçada dos laços dominantes do momento, a
erradicação da condição passiva, a fim de celebrar a actividade, a positividade
e o voluntarismo tanto ético como estético, o livre pensamento em oposição a
todas as formas de religião e de
comunitarismo, a desconfiança e a suspeição, se não mesmo o ódio, em relação a
tudo quanto é gregário.
Os inimigos, semelhantes, também persistem e duram: os
promotores da ordem vigente. Aqueles que, em vez de reatctualizar o imperativo
categórico de Voltaire – esmaguemos o infame – ou até mesmo o kantiano – sapere
aude, pensa por ti mesmo, ousa – preferem celebrar a moral e a religião com as
quais este século se inicia no estado que conhecemos.
O objectivo permanece indefectivelmente nietzscheano: “Prejudicar
a estupidez”.
Sem isso esta triunfará sozinha, a tal ponto que os
antigos autoritarismos parecerão pálidos e ténues ao lado daqueles que terão
conseguido escravizar os corpos, decerto, mas também e,sobretudo, as almas.
O fascismo que virá, se é que já não veio, já não se contenta
com a sujeição dos corpos: ele dispõe dos meios para conseguir a das almas e
isso já hoje, antes de qualquer e hipotética tomada de poder, tipo golpe de
Estado.
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