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quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

«DIVINA COMÉDIA LUSITANA»


Se em Dante gostei dos nove círculos e dos três girões, dos dez fossos e das quatro zonas que formam o inferno, ou até das sete cornijas do purgatório, o que possibilita não a busca de uma Beatriz de sonho, mas a pressecução da demanda de um entendimento daquilo que provoca, aqui e agora, o inferno que alguns vivem nesta terra, a miséria que percorre de um extremo ao outro essas terras infernais só muito raramente foi tratada como objecto filosófico.

Mais frequentemente, a sociologia apropria-se dela para a nomear, a descrever, a designar, afirmar que existe, quantificá-la, e isso já é muito.

Mas, onde estão os filósofos? Que fazem e dizem os intelectuais sobre esta questão, que, de tão prolongada e dramática, está a colocar os cidadãos não às portas do inferno, nem do purgatório, mas bem no centro de todas as fogueiras satânicas.

Mais preocupados com as misérias do mundo quando estas parecem nobres, dignas e susceptíveis de abrir as portas para uma consagração mediática, ou um hipotético prémio Nobel, não são parcos em manifestos, petições, tomadas de posição quando a miséria é limpa, isto é, quando é originada por combates planetários entre potências desnorteadas.

Mas, a miséria suja, a dos sem grado, dos indigentes, dos heróis de todos os dias, que morrem nas escadarias dos prédios por causa do frio e da fome, ou dos que galgam quotidianamente os psseios à espera de receber como esmola um trabalho miserável?

E a dos homens e mulheres que nas fábricas, nas oficinas e nas empresas oferecem continuamente o seu tempo, energia e desejos às ávidas goelas dos seus algozes capitalistas?

Onde estão os filósofos que elaboraram a teoria da miséria, os que, depois de Proudhon e de Mrx, seguidos por Simone Weil, fizeram da condição dos indigentes e dos operários um objecto filosófico tão digno, politicamente, quanto a questão dos direitos do homem, do direito de ingerência ou do fim da história?

Ainda estou à espera que surja no horizonte um contemporâneo, menos preocupado pela sua inscrição na actualidade de uma moda do que pela lógica de um trabalho autenticamente filosófico e que seja para a sua época o que Proudhon foi para a dele, ao escrever a sua “Filosofia da Miséria”, uma obra que, apesar das suas limitações, permanece o protótipo do trabalho político por excelência: aquele que consiste em situar em termos claros o que, segundo o seu ponto de vista como pensador, constitui o objecto de maior escândalo.

É que existe em Portugal, no quadro de uma proximidade dolorosa e quotidiana, um inferno dentro do qual se conserva uma grande parte de mulheres, homens e crianças, que são, dia após dia, sacrificados às exigências dos monstros existentes, adeptos da máxima austeridade, que parecem sentir gozo com todas as tremendas privações a que sujeitam essa grande parte da população nacional.

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