Devemos a quase totalidade das nossas descobertas às
nossas violências, à exacerbação do nosso desequilíbrio. Mesmo Deus, na medida
em que nos intriga, não é no mais íntimo de nós que o discernimos, mas antes no
limite exterior da nossa febre, no ponto preciso em que, confrontando-se a
nossa ira com a sua, se produz um
choque, um encontro tão ruinoso para Ele como para nós.
Ferido pela maldição que se liga aos actos, o violento só
força a sua natureza, só se ultrapassa a si próprio, para a ela regressar,
furioso e agressor, seguido pelas suas empresas, que o punem por as ter feito
nascer.
Não há obra que não se volte contra o seu autor: o poema
esmagará o poeta, o sistema o filósofo, o acontecimento o homem de acção.
Destrói-se quem, respondendo à sua vocação e cumprindo-a, se agita no interior
da história; apenas se salva aquele que sacrifica dons e talentos para,
desprendido da sua qualidade de homem, poder repousar no ser.
Se aspiro aa uma carreira metafísica, não posso por preço algum conservar a minha identidade: terei de liquidar o menor resíduo que dela possa guardar;se, pelo contrário, escolho a aventura de um papel histórico, a tarefa que me cabe é a de exasperar as minhas faculdades até explodir eu próprio com elas.
Parece-se sempre pelo eu que se assume: ter um nome é
reivindicar um modo preciso de ruína.
Fiel às suas aparências, o violento não se desencoraja,
recomeça e obstina-se, já que não pode dispensar-se de sofrer. Empenha-se em perder
os outros? É o desvio que toma para chegar à sua própria perda.
Sob o seu ar seguro, sob as suas bravatas, esconde-se um
apaixonado da desgraça.
Assim, é entre os violentos, seres enraivecidos que,
tendo perdido a cheve da quietude, já só têm acesso aos segredos da
dilaceração.
Em vez de deixarmos que o tempo nos triturasse
lentamente, preferimos reforçá-lo, acrescentar aos seus os nossos instantes.
Este tempo recente, enxertado no antigo, este tempo elaborado e projectado,
revelaria em breve a sua virulência: objectivando-se, tornar-se-ia história,
monstro por nós lançado contra nós, fatalidade a que é impossível escapar,
ainda que recorrendo às formas da passividade, às receitas da sabedoria.
(…)
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