Sábado, dia 11 de Abril de 1987, pouco depois
das 10 da manhã, enqynto sua mulher tinha ido às compras e quando a porteira
acabara de lhe entregar o correio, Primo Levu transpôs o corrimão do patamar da
sua escadaria, lançou-se no vazio e encontrou-se cinco andares mais abaixo,
esmagado no sopé do elevador.
O corpo daquele que vivera Auschwitz exalava
assim o seu último suspiro.
Teriam ainda triunfado os nazis, meio século
mais tarde? Ele não deixou nenhuma palavra a explicar o seu acto. Mas sabe-se
que, desde há alguns anos, andava atormentado por uma profunda depressão. É
assunto da vida privada, claro, mas quem poderá dizer aquilo que a história do
mundo, ao encontrar a história singular, é capaz de produzir como reacções
tenebrosas ou motivações sombrias?
Primo Levy já não suportava a ascensão das
teses revisionistas e negacionistas. Decidira sair da reserva que outrora
escolhera, para incutir uma maior presença em qualquer lado em que lhe
parecesse necessário testemunhar, a fim de não deixar morrer duas vezes
companheiros de campo e para dar um sentido à sua sobrevivência.
Páginas, conferências, colóquios,
esclarecimentos, intervenções mediáticas e, depois, a antepenúltima obra, um
artigo publicado na Stampa a 22 de Janeiro de 1986, que se intitulava “Buco
nero di Auschwitz” (O Buraco negro de Auschwitz), no qual rejeita, ponto por
ponto, as teses negacionistas de Hillgruber, para quem as câmaras de gás se
reduzem a uma simples invenção tecnológica – e, por fim, o suicídio.
A ascensão destas teses na Europa – sob o
falacioso pretexto de uma nec essária reconciliação entre os países –, o
esquecimento da condenação daquelas e daqueles que fizeram a história sinistra
dessa época, a ausência de memória que testemunham as novas gerações, a
lassidão da maioria acerca deste tema, a confusão entre os registos virtuais e
reais, as misturas de ficção com imagens de arquivos, o relegar, da parte do
público em geral, de toda a História, digna desse nome, para as calendas gregas
e, sobretudo, a permanência, disseminada pelo mundo, daquilo que fez o nazismo:
tudo isto afecta uma quantidade de deportados que, uma vez regressados, não se
contentam em gerir uma carreira paralela à dos antigos combatentes. Primo Levu
era dessa estirpe.
Ao seu suicídio seria necessário juntar os de
Bruno Bettlheim e de Jean Améry, também eles antigos deportados e, ainda, os de
quantos anónimos que sobreviveram aos campos?
(…)
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