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quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Intenções não bastavam para dar Nobel a Obama, diz diplomata

FABIANO MAISONNAVE

Agraciado com o Prêmio Nobel de 1996 pela luta em favor da independência do Timor Leste, José Ramos-Horta endossa os que acharam precipitado conceder a mesma honra ao presidente norte-americano, Barack Obama, 13 anos mais tarde.
"Os críticos disseram que as intenções e os discursos não chegam [bastam] para ganhar o Nobel da Paz. Eu concordo", disse Ramos-Horta, ex-presidente do seu país e hoje representante especial da ONU na Guiné-Bissau, um dos países africanos mais pobres e instáveis do mundo.
O timorense participa hoje em São Paulo do ciclo de palestras Fronteiras do Pensamento, que conta com a promoção da Folha. Os ingressos já estão esgotados.
A seguir, os principais trechos da entrevista à Folha:
Folha - No passado, o sr. defendeu uma reforma da ONU. Como é a entidade vista de dentro?
José Ramos-Horta - Vejo de duas formas. Primeiro pela positiva: continua a ser a única instituição universal, em que estão todos os países do mundo. E tem feito muitos esforços, como as forças da paz no Haiti ou na República Democrática do Congo e as agências humanitárias da ONU.
A minha crítica tem mais a ver com o grande desequilíbrio hoje no Conselho de Segurança, no Banco Mundial, no FMI, em que os países grandes da Guerra Fria, e que hoje não são tão grandes, continuam a ter o poder de veto.
Como o Brasil não é membro permanente, e a França e o Reino Unido, são?
A ONU corre o risco de se tornar irrelevante no conflito sírio?
É muito simplista responsabilizar a Rússia e a China. As críticas contra esses dois países não são justas nem objetivas porque, mesmo que esses dois países decidam, com os outros três [membros permanentes do Conselho de Segurança], apoiar uma intervenção militar, não vai resolver o problema.
Nós nos vimos em outras situações em que a unanimidade do CS por si não significa que o problema é solucionável.
Sobretudo quando enfrentamos situações de conflitos sectários, baseados em etnias, religiões das mais diversas. É muito difícil para qualquer força externa influenciar os acontecimentos.
O presidente Barack Obama tem sido, com toda razão, muito prudente.
E eu não considero prudente os países que fornecem armas a alguns grupos da Síria.
O dilema que se coloca é: perante o uso de armas químicas, o que a comunidade internacional deve fazer?
É preferível um embargo de armas para todas as partes na Síria com bloqueio naval para impedir acesso à Síria. Reforçar a capacidade dos países da região para evitar a entrada na Síria de mercenários fundamentalistas -o que não é fácil. Mas isso é o que se pode fazer.
Já que o sr. mencionou Obama, sua escolha para o Nobel da Paz foi equivocada?
O problema é que as expectativas foram exageradas. Ele é brilhante, um bom orador, um bom homem, o coração está no lugar certo para os problemas do mundo. Mas todos esquecem que os presidentes mais liberais da América nunca conseguiram... Veja o Jimmy Carter. Ele era um homem bom, lançou todo o conceito estratégico de direitos humanos na política externa americano.
Durou um mandato. Barack Obama recebeu prêmio pela mensagem de paz e de conciliação que ele trouxe para a Casa Branca.
E logo os críticos disseram que as intenções e os discursos não chegam para ganhar o Nobel. Eu concordo.
O Brasil cancelou recentemente a dívida de países africanos, alguns sob regimes ditatoriais. Do ponto de vista dos direitos humanos, é uma decisão acertada?
Eu não discordo dessa política brasileira, que não conheço em seus detalhes. A África, felizmente, não vive uma situação como a da Coreia do Norte, por exemplo. Ou da Síria. Há regimes corruptos, fragilizados.
Há espaço suficiente para que um engajamento diplomático ativo possa levar um regime a mudar de postura.
Pode dar influência ao Brasil para salvar vidas, fazer pessoas sair das prisões, parar com a tortura.
O sr. tem bastante experiência em ex-colônias portuguesas. O que une esses países além da língua?
Há um verdadeiro sentimento de comunidade na CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa).
Mas o Brasil podia fazer muito mais pela CPLP.
Por que o Brasil, sobretudo a TV Globo, não faz o equivalente à Al Jazeera?
Uma TV brasileira pode ser muito mais eficaz. Primeiro, viria de um país menos suspeito.
Seria a grande arma da diplomacia brasileira. Em vez de gastarem bilhões em estádios, deviam investir algumas centenas de milhões em uma TV.
Isso faria do Brasil o centro do mundo.

M.A./F.S.P.

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