FABIANO MAISONNAVE
Agraciado com o Prêmio Nobel de
1996 pela luta em favor da independência do Timor Leste, José Ramos-Horta
endossa os que acharam precipitado conceder a mesma honra ao presidente
norte-americano, Barack Obama, 13 anos mais tarde.
"Os críticos disseram que
as intenções e os discursos não chegam [bastam] para ganhar o Nobel da Paz. Eu
concordo", disse Ramos-Horta, ex-presidente do seu país e hoje
representante especial da ONU na Guiné-Bissau, um dos países africanos mais
pobres e instáveis do mundo.
O timorense participa hoje em
São Paulo do ciclo de palestras Fronteiras do Pensamento, que conta com a
promoção da Folha. Os ingressos já estão esgotados.
A seguir, os principais trechos
da entrevista à Folha:
Folha - No passado, o
sr. defendeu uma reforma da ONU. Como é a entidade vista de dentro?
José Ramos-Horta - Vejo de duas formas. Primeiro pela positiva: continua a ser a
única instituição universal, em que estão todos os países do mundo. E tem feito
muitos esforços, como as forças da paz no Haiti ou na República Democrática do
Congo e as agências humanitárias da ONU.
A minha crítica tem mais a ver
com o grande desequilíbrio hoje no Conselho de Segurança, no Banco Mundial, no
FMI, em que os países grandes da Guerra Fria, e que hoje não são tão grandes,
continuam a ter o poder de veto.
Como o Brasil não é membro
permanente, e a França e o Reino Unido, são?
A ONU corre o risco de se
tornar irrelevante no conflito sírio?
É muito simplista
responsabilizar a Rússia e a China. As críticas contra esses dois países não são
justas nem objetivas porque, mesmo que esses dois países decidam, com os outros
três [membros permanentes do Conselho de Segurança], apoiar uma intervenção
militar, não vai resolver o problema.
Nós nos vimos em outras
situações em que a unanimidade do CS por si não significa que o problema é
solucionável.
Sobretudo quando enfrentamos
situações de conflitos sectários, baseados em etnias, religiões das mais
diversas. É muito difícil para qualquer força externa influenciar os
acontecimentos.
O presidente Barack Obama tem
sido, com toda razão, muito prudente.
E eu não considero prudente os
países que fornecem armas a alguns grupos da Síria.
O dilema que se coloca é:
perante o uso de armas químicas, o que a comunidade internacional deve fazer?
É preferível um embargo de
armas para todas as partes na Síria com bloqueio naval para impedir acesso à
Síria. Reforçar a capacidade dos países da região para evitar a entrada na
Síria de mercenários fundamentalistas -o que não é fácil. Mas isso é o que se
pode fazer.
Já que o sr. mencionou
Obama, sua escolha para o Nobel da Paz foi equivocada?
O problema é que as
expectativas foram exageradas. Ele é brilhante, um bom orador, um bom homem, o
coração está no lugar certo para os problemas do mundo. Mas todos esquecem que
os presidentes mais liberais da América nunca conseguiram... Veja o Jimmy
Carter. Ele era um homem bom, lançou todo o conceito estratégico de direitos
humanos na política externa americano.
Durou um mandato. Barack Obama
recebeu prêmio pela mensagem de paz e de conciliação que ele trouxe para a Casa
Branca.
E logo os críticos disseram que
as intenções e os discursos não chegam para ganhar o Nobel. Eu concordo.
O Brasil cancelou
recentemente a dívida de países africanos, alguns sob regimes ditatoriais. Do
ponto de vista dos direitos humanos, é uma decisão acertada?
Eu não discordo dessa política
brasileira, que não conheço em seus detalhes. A África, felizmente, não vive
uma situação como a da Coreia do Norte, por exemplo. Ou da Síria. Há regimes
corruptos, fragilizados.
Há espaço suficiente para que
um engajamento diplomático ativo possa levar um regime a mudar de postura.
Pode dar influência ao Brasil
para salvar vidas, fazer pessoas sair das prisões, parar com a tortura.
O sr. tem bastante
experiência em ex-colônias portuguesas. O que une esses países além da língua?
Há um verdadeiro sentimento de
comunidade na CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa).
Mas o Brasil podia fazer muito mais pela CPLP.
Mas o Brasil podia fazer muito mais pela CPLP.
Por que o Brasil, sobretudo a
TV Globo, não faz o equivalente à Al Jazeera?
Uma TV brasileira pode ser
muito mais eficaz. Primeiro, viria de um país menos suspeito.
Seria a grande arma da
diplomacia brasileira. Em vez de gastarem bilhões em estádios, deviam investir
algumas centenas de milhões em uma TV.
Isso faria do Brasil o centro
do mundo.
M.A./F.S.P.
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