A igualdade não tem que se
realizar no meio da lama, nos pés da guilhotina ou na humidade das choças, mas
sim perante a regra do jogo estipulada, que é a mesma para todos,
independentemente da cor da pele, da sexualidade, da idade, da inteligência,
dos ganhos, das faculdades do sexo, da religião e da opinião de cada um.
Colocado este princípio de um
mosaico, este elogio da diversidade adquirida e esta acepção da igualdade
consentida, enquanto definições cardeais
da mística de esquerda, pode constatar-se quanto as ideias e as reformas que
provinham destes princípios foram, e continuam
a ser, pertinentes, apesar de terem decorridos vários anos.
A Constituinte e a Legislativa a
descentralização para que as pessoas da província desfrutassem das mesmas
oportunidades que os da capital perante o saber, as riquezas e o poder,, e
decidiram descolonizar para que brancos e negros ficassem em pé de igualdade
perante a produção de riquezas e perante a lei; decretaram a elegibilidade para
todos, mas, como sempre se verifica,
existem os “pára-quedistas” que deixam as suas terras para se candidatarem a
outras que não comnhecem minimamente, afim de que os protestantes, os não
católicos em geral, proprietários ou desprovidos, pudessem aceder do mesmo modo
às funções representativas; votaram leis permitindo a todos o livre acesso às
obras de arte, a sua exposição, a sua exposição em museus nacionais criados
para esse efeito, de modo a que a cultura deixasse de ser um instrumento de
reprodução social e se tornasse uma possibilidade de se elevar a uma promessa
de felicidade; decidiram que os soldados se pudessem inscrever nos clubes
políticos, abrindo, dessa maneira, a porta da cidadania aos homens de armas;
aboliram a distinção entre cidadão activo e cidadão passivo para que os pobres
pudessem, tal como os ricos, ter um assento na Assembleia da República;
legislaram o divórcio e simplificaram o casamento e a adopção, no intuito de
permitir às mulheres uma autonomia que as dispensasse de uma submissão
definitiva aos seus maridos.
Que se leve tempo para reflectir
e para perspectivar estes princípios emitidos e estas leis votadas a par da
realidade, tal como ela é, todos estes anos mais tarde, nem que seja apenas no
território nacional, e constar-se-á quanto uma mística de esquerda parece, mais
que nunca, necessária para manifestar a permanência de ideais, princípios e
virtudes postas a dormir, quando não, pura e simplesmente achincalhadas.
As pessoas da província estarão
em pé de igualdade de oportunidades com as da capital, relativamente ao acesso
às riquezas, ao saber, à cultura, aos serviços?
As pessoas de cor serão tão bem
consideradas quanto os brancos, em todo o lado, em todos os locais,
circunstâncias e ocasiões?
Os excluídos do saber e da
cultura, os que deles são privados, terão as mesmas oportunidades que os
letrados para circularem no labirinto dos conhecimentos?
Em que pé se encontram as crianças,
os doentes mentais, os incuráveis, os desempregados, os operários, os proletários, em matéria de igualdade, de
dignidade, de direito puro e simples à existência e a Constituição para os que
têm fome e dormem ao relento como cães são meras frivolidades.
O anjo da revolução, mais que
nunca necessário, esquece-se deles, dos rejeitados e dos escravos, para os
quais, ainda e sempre, se trata de relembrar a necessidade de uma mística de
esquerda que impulsione os ímpetos, solicite as energias, insufle os ventos
esmorecidos para deles fazer tempestades, as únicas que o político de elite,
esparramado na sua pocilga, entende e compreende.
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