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quarta-feira, 30 de outubro de 2013

«O DRAMA DE SER PORTUGUÊS»

O português tem o “privilégio” de viver duas vezes a nossa condição. Representa a existência separada por excelência ou, para empregar uma expressão de que se servem os teólogos para qualificar Deus, o inteiramente outro.

Consciente da sua singularidade, pensa nela ininterruptamente e nunca se abandona: daí esse ar constrangido, crispado ou de falsa segurança que é tão frequente naqueles que carregam o fardo do segredo.

Em vez de se orgulhar das suas origens, de as ostentar e de as afirmar bem alto camfula-as: não lhes conferiria, porém, a sua sorte ímpar o direito de olhar com altivez a turba humana?

Vítima, reage  à sua maneira como um vencido sui generis.

Em mais de um aspecto, aparenta-se a essa serpente que transformou em personagem e em símbolo.

Não julguemos, todavia, que também ele tem o sangue-frio: seria ignorar a sua verdadeira natureza, os seus entusiasmos, a sua capacidade de amor e ódio, o seu gosto pela vingança ou as excentricidades da sua caridade.

Excessivo em tudo, emancipado da tirania da paisagem, da estupidez do enraizamento, sem amarras, acósmico, é um homem que nunca será daqui; o homem vindo de outro lugar, o estrangeiro em si, que não poderia sem equívoco falar em nome dos indígenas, de todos.

Traduzir os seus sentimentos, tornar-se seu intérprete, como pretenderia ele semelhante tarefa? Não haveria multidão que conseguisse arrastar, conduzir, sublevar: a trombeta não lhe assenta bem.

Censurá-lo-ão pelos seus pais, pelos seus antepassados, que repousam lá longe, noutros países, noutros continentes.

Sem sepulturas para mostrar, para explorar, sem a possibilidade de ser o porta-voz de qualquer cemitério, não representa ninguém senão ele próprio, nada senão ele próprio.

Se se reclama da última palavra de ordem, se está na origem de uma revolução, ver-se-á rejeitado no exacto momento em que as suas ideias triunfam, em que as suas palavras têm força de lei..

Se serve uma causa, não poderá fazê-la sua até ao fim. Chega o dia em que tem que a contemplar como espectador, como desiludido. Defenderá em seguida uma outra, com um excesso não menos notório. Muda de país, porque no seu já nada tem. O seu drama recomeça.

O êxodo é a sua base, a sua certeza, o seu lar!

Perseguido em nome do Cordeiro, permanecerá sem dúvida não-cristão enquanto o cristianismo se mantiver no poder. Mas ama de tal modo o paradoxo  - e os sofrimentos dele derivados – que talvez se converta à religião cristã no momento em que esta for universalmente aborrecida. Será então perseguido pela sua nova fé. Titular de um destino religioso, sobreviveu a Atenas e a Roma, como sobrevirá no Ocidente, e prosseguirá a sua carreira, invejado e odiado por todos os povos e governantes que nascem e morrem…?...





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