Uns anos após ter nascido, creio que em 1958, meu pai conheceu um
estranho recém-chegado à nossa grande aldeia.
Desde o princípio que meu pai ficou fascinado
com esse encantador personagem, pelo que o convidou a viver lá em casa com a
família.
Ele aceitou e, desde então, tem estado sempre
connosco.
Enquanto crescia, nunca fiz perguntas acerca
do seu lugar entre a família; na minha mente jovem já tinha um lugar muito
especial.
Meus pais eram professores complementares:
minha mãe ensinou-me o que era o bem e o que era o mal, e meu pai ensinou-me a
saber obedecer.
O mais estranho era a voz uma senhora que contava histórias e nos
mantinha enfeitiçados com horas de aventuras, mistérios e comédias, pois já
nesse tempo a vida não passava disso mesmo, embora em menor quantidade.
Depois, m A horas sempre certas, uma da tarde
e oito da noite, vinha um indivíduo que falava sobre o que se passava no país e
no mundo, nunca falando da miséria que se vivia no país e até noutros, aos
sábados à noite sessões de velhos e novos fados com futebol à mistura e, aos
domingos a missa.
Aquele estranho desconhecido tinha respostas
para tudo o que quisessemos saber, excepto
sobre a política, mas muito sobre mistérios e comédias, história ou ciência.
Conhecia todo o passado, do presente e até
podia predizer o futuro! Com ele, minha família foi toda ver um jogo de
futebol. Podia fazer rir e chorar.
Nunca parava de falar, mas ninguém se
importava.
Como na maioria dos lares desta grande aldeia
que é Portugal, minha mãe levantava-se
cedo e calada, enquanto ficavamos a ouvir o que tinha para dizer, mas ia
só para a cozinha para ter paz e tranquilidade.
Muitas vezes me tenho perguntado se alguma vez
teria rezado para que o estranho de fosse embora.
Meu pai dirigia o nosso lar com certas
convicções morais, mas o estranho nunca se sentia obrigado a honrá-las. As
blasfémias, os palavrões, por exemplo, não era permitidos na casa de meus pais.
Nem por nossa parte, nem pela de nossos amigos ou de qualquer que nos
visitasse.
Entretanto, o nosso visitante de longo prazo,
usava sem problemas a sua linguagem inapropriada que por vezes queimava os meus
ouvidos, sem que fosse um menino de coro, e que fazia meu pai retorcer-se no
sofá.
Falava livremente acerca do sexo. Agora sei
que os meus conceitos sobre as relações foram fortemente influenciados pelo
estranho durante a minha adolescência.
Repetidas vezes o criticaram, mas ele nunca
fez caso dos valores de meus pais e, mesmo assim, permaneceu lá em casa.
Passaram-se mais de 50 anos desde que o
estranho veio para a nossa família. Mudou muito, desde então; já não é tão
fascinante como a princípio. Não obstante, se hoje está “religiosamente
guardado” na saleta onde víamos e ouvíamos o estranho, que herdei e em
condições de funcionamento, e dele não me desfazendo por nada deste mundo. Seu
nome?
Alguém o baptizou como Televisor…e, esperando
que esta “crónica” seja lida em todos os lares, pois agora tem uma esposa
chamada Computador e um filho que se chama Telemóvel, que são uma boa forma de
nos manter ainda mais ignorantes e distraídos sobre a realidade.
Porque, aqo contrário de há cinquenta e tal
anos, o já conhecido serve para nos mostrar ao vivo toda a vileza política
existente neste nosso Portugal.
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