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terça-feira, 22 de outubro de 2013

«O ESTRANHO E DESOCONHECIDO»

Uns anos após ter nascido,  creio que em 1958, meu pai conheceu um estranho recém-chegado à nossa grande aldeia.

Desde o princípio que meu pai ficou fascinado com esse encantador personagem, pelo que o convidou a viver lá em casa com a família.

Ele aceitou e, desde então, tem estado sempre connosco.

Enquanto crescia, nunca fiz perguntas acerca do seu lugar entre a família; na minha mente jovem já tinha um lugar muito especial.

Meus pais eram professores complementares: minha mãe ensinou-me o que era o bem e o que era o mal, e meu pai ensinou-me a saber obedecer.

O mais estranho era a voz  uma senhora que contava histórias e nos mantinha enfeitiçados com horas de aventuras, mistérios e comédias, pois já nesse tempo a vida não passava disso mesmo, embora em menor quantidade.

Depois, m A horas sempre certas, uma da tarde e oito da noite, vinha um indivíduo que falava sobre o que se passava no país e no mundo, nunca falando da miséria que se vivia no país e até noutros, aos sábados à noite sessões de velhos e novos fados com futebol à mistura e, aos domingos a missa.

Aquele estranho desconhecido tinha respostas para tudo o que quisessemos saber,  excepto sobre a política, mas muito sobre mistérios e comédias, história ou ciência.

Conhecia todo o passado, do presente e até podia predizer o futuro! Com ele, minha família foi toda ver um jogo de futebol. Podia fazer rir e chorar.

Nunca parava de falar, mas ninguém se importava.

Como na maioria dos lares desta grande aldeia que é Portugal, minha mãe levantava-se  cedo e calada, enquanto ficavamos a ouvir o que tinha para dizer, mas ia só para a cozinha para ter paz e tranquilidade.

Muitas vezes me tenho perguntado se alguma vez teria rezado para que o estranho de fosse embora.

Meu pai dirigia o nosso lar com certas convicções morais, mas o estranho nunca se sentia obrigado a honrá-las. As blasfémias, os palavrões, por exemplo, não era permitidos na casa de meus pais. Nem por nossa parte, nem pela de nossos amigos ou de qualquer que nos visitasse.

Entretanto, o nosso visitante de longo prazo, usava sem problemas a sua linguagem inapropriada que por vezes queimava os meus ouvidos, sem que fosse um menino de coro, e que fazia meu pai retorcer-se no sofá.

Falava livremente acerca do sexo. Agora sei que os meus conceitos sobre as relações foram fortemente influenciados pelo estranho durante a minha adolescência.

Repetidas vezes o criticaram, mas ele nunca fez caso dos valores de meus pais e, mesmo assim, permaneceu lá em casa.

Passaram-se mais de 50 anos desde que o estranho veio para a nossa família. Mudou muito, desde então; já não é tão fascinante como a princípio. Não obstante, se hoje está “religiosamente guardado” na saleta onde víamos e ouvíamos o estranho, que herdei e em condições de funcionamento, e dele não me desfazendo por nada deste mundo. Seu nome?

Alguém o baptizou como Televisor…e, esperando que esta “crónica” seja lida em todos os lares, pois agora tem uma esposa chamada Computador e um filho que se chama Telemóvel, que são uma boa forma de nos manter ainda mais ignorantes e distraídos sobre a realidade.

Porque, aqo contrário de há cinquenta e tal anos, o já conhecido serve para nos mostrar ao vivo toda a vileza política existente neste nosso Portugal.


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