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terça-feira, 22 de outubro de 2013

«O APOCALIPSE…»

Por muito luminoso que o seu espírito seja, reside nele um elemento subterrâneo: surgem e irrompem, estes seres longínquos em toda a parte presentes, sempre alerta, fugindo ao perigo e solicitando-o, precipitando-se sobre cada sensação com uma loucura de condenados, como se não tivessem tempo para esperar e o terrível os espreitasse até no limiar das suas alegrias.

Apegam-se à felicidade e aproveitam-se dela sem moderação nem escrúpulo: dir-se-ia que estão a desfrutar um bem alheio.

Excessivamente ardentes para epicuristas, envenenam os seus prazeres, devoram-nos, põem neles uma pressa e um furor  que os impede de conhecer o mínimo reconforto: afadigados em todos os sentidos da palavra, do mais vulgar ao mais nobre.

A obsessão do depois persegue-os: ora, na arte de viver – apanágio das épocas não proféticas, da de Alcibíades, de Augusto ou da Regência – consiste na experiência integral do presente.

Nada tem de goetheano: não pensariam sequer em deter o mais belo dos momentos.

Os seus profetas que invocam sem  cessar os relâmpagos de Deus, que querem ver aniquiladas as cidades do inimigo, esses profetas sabem falar de cinzas.

Foi nas suas loucuras que S. João se deve ter inspirado para escrever o mais admiravelmente obscuro dos livros da antiguidade.

Remate de uma mitologia de escravos, o Apocalipse representa o ajuste de contas melhor camuflado que se pode conceber.

Tudo nele é vingança, bílis e futuro mórbido.

Ezequiel, Isaías, Jeremias haviam realmente preparado bem o terreno….

Hábeis na valorização das suas desordens ou das suas visões,  divagam com uma arte que não voltou depois a ser igualada: ajudava-os o seu espírito poderoso e impreciso.

A eternidade era para eles um pretexto para as convulsões, um espasmo; vomitando imprecações e hinos, contorciam-se sob o olhar de um deus insaciável de histerias.


 Eis uma religião em que as relações entre o homem e o seu criador se esgotaram numa guerra de epítetos, numa tensão que os impede de meditar, de se demorarem nos seus diferentes e de os resolverem, uma religião à base de adjectivos, de efeitos de linguagem, e em que o estilo constitui o único traço de união entre o Céu e a Terra.

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