Já não há saída para aquele que, ao mesmo
tempo, ultrapassa o tempo e nele se atola, que atinge por entre sobressaltos a
sua última solidão e, porém, se afunda na aparência.
Indeciso, dividido, arrastar-se-á como
doente de longa duração, exposto simultaneamente às atracções
do devir e do intemporal.
SE acreditarmos em Mestre Eckhart, existe um
“odor” do tempo, por maioria de razão deverá existir um “odore” da história.
Como ser-lhe insensível?
Num plano mais imediato, distingue-se a
ilusão, a nulidade, a podridão da civilização. Sinto-me, pessoalmente, porém,
solidário dessa podridão; sou um “fanático” de uma carcaça apodrecida. Somos o
futuro de carcaças apodrecidas.
Acuso, quer o nosso século (XXI) como os
actuais “políticos” de nos ter subjugado ao ponto de continuar a assombrar-nos
precisamente no momento em que deles nos afastamos.
Nada de viável pode nascer de uma meditação
de circunstância, de uma reflexão sobre o acontecimento…
Noutras idades mais felizes, os espíritos
podiam delirar livremente, como se não pertencessem a época alguma, emancipados
que estavam do terror da cronologia, abismados num momento do mundo que, para
eles, se confundia com o próprio mundo.
Sem se preocuparem com a relatividade da sua obra,
consagravam-se-lhe inteiramente, falando quase exclusivamente hoje de
hipocrisias,m comom a equidade, a ingualdade e a justiça sociail, sem saberem
exactamente de que se trata.
Estupidez genial, para sempre passada, fecunda
exaltação que a consciência dividida em nada comprometia.
Adivinhar ainda o intemporal e saber, porém, que somos tempo, que
produzimos tempo, conceber a ideia de eternidade e acarinhar o nosso nada:
irrisão de onde emergem tanto as nossas rebeliões como as dúvidas que
alimentamos acerca delas.
Procurar o sofrimento para evitar a redenção,
seguir ao contrário o caminho da libertação, também o nosso contributo em
matéria de “religião”: iluminados biliosos, budas e cristos hostis à salvação,
pregando aos miseráveis os encantos da sua desgraça. Raça superficial, se
quiserem. Mas não deixa de ser verdade quem o nosso primeiro antepassado só nos
deixou por herança o horror ao Paraíso.
Ao dar um nome às coisas, preparava a sua e a
nossa queda. Se quisermos
remediá-la, teremos de começar por
desbaptizar o universo, por retirar a etiqueta que, posta em cada aparência, a
eleva e lhe empresta um simulacro de sentido.
Sofrer: a única modalidade de aquisição da
sensação de existir; existir; o único modo de salvaguardarmos a nossa perda. E
assim será até que uma cura de eternidade nos desintoxique do devir, enquanto
nos aproximarmos desses estado no qual,”o instante valem dez mil anos”.
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